THE GIFT OF IGNORING SOMEONE SO DEEPLY
Escrever-te sempre significou uma catarse psíquica para mim. Quando me apercebi que teria de abandonar essa arte, senti-me nua, um ser despojado do seu bem mais precioso…
Ai, Tiago, quão louca sou eu, ainda em pensar que os teus olhos de castanho veludo possam, um dia, pousar sobre os meus sem essas nuvens negras que se amontoam na profundeza da tua iris, de cada vez que um pensamento acerca de mim te trespassa a mente. Nos meus sonhos mais íntimos, quando o céu se abre em lampejos de luz e me chama para o mundo do onírico, por vezes, a tua voz grave ruge-me em surdina como um tremor de terra. Franzes-me o sobrolho e algumas rugas desenham-se na tua fronte, o teu olhar é grave, como se uma intempérie te tivesse abarcado os olhos. De repente, esses teus olhos aveludados, contemplam-me ainda mais incisivamente, como uma bala de um canhão desenfreada, de encontro ao meu peito. Lanças-me um olhar ensanguentado de raiva e consternação, como um forte presságio da tempestade que se avizinha; evocas o meu nome numa linguagem e num vocabulário que parece relampejar, trovejar e proferir injúrias desmedidas contra mim.
“ Vai “ , diz-me a minha consciência, impregnada de rasgos de coragem. “ Vai, vai de encontro a esse olhar irado. Que temes, Vanessa? Na tua vida nada possuíste. A miséria abraçou-te a existência, todavia, carácter e nobreza são falhas, das quais, ele não te pode acusar. Acusa-te em nome do quê? De um velho preconceito imaturo que desenvolveu acerca da tua pessoa. Acusa-te em prol de quê? De palavras sofridas que cuspiste implacavelmente quando já mais não as conseguias conter e te queimavam as entranhas, como um fogo que não se estanca? A cobardia não faz parte do teu carácter! Tu adoraste profundamente esse homem. Cada palavra sua desoladora mitigava-te a alma… Se porventura falhaste, e decerto falhaste, deveu-se a uma luta inglória e desleal onde cavalgaste contra todas as convenções socias da época (e presentes) e contra todos os estereótipos que te foram impostos. Que esperava ele? Que te desembaraçasses de toda a tua dor e dessa noite glacial de inverno que te habitava o coração, te remetesses ao silêncio e – sem qualquer transe – aceitasses satisfatoriamente o seu desprezo? Era isso que ele esperava? Criatura cândida e demasiado escrupulosa. Não saberá ele que o coração de uma mulher é escravo dos seus ímpetos? Indiferente ao génio do bem ou do mal? Esperava ele que – porventura – o teu estado febril pela sua pessoa, não passasse de um capricho teu, um vago estado silencioso e melancólico que te roubava as forças, mas que facilmente seria reparável com outros encontros fortuitos, onde a tua sede seria saciada? Ou esperava ele, que tudo não passasse de uma frescura? “
Contudo, o meu corpo mantinha-se imóvel e o meu estado inalterável. Não fui. Nunca vou ter contigo se sinto, ao de longe, o sangue a ferver-te nas veias e o coração a bater tão apressado que me é impossível contar-lhe as suas pulsações e tu pareces devorar-me com o teu olhar inflamado! Nem no mundo dos sonhos consigo rebater o teu parecer resoluto, desafiar-te, vergar-te, fitar esses teus olhos e fazê-los mergulhar nos meus selvagens, arrombando essa prisão indomável do teu coração, dizendo-te: “ Olha para mim, Tiago, por favor, escuta-me. Que é preciso eu fazer para despedaçar essa tua gaiola de aço? Diz-me, que é preciso eu fazer para obter a tua confiança, livrar-me desta vergonha e ultraje que pareço envergar sempre que estou diante de ti? Diz-me, que faço eu, para quebrar essa tua vontade férrea e indómita de me desprezares?”
Decorreram sete meses, desde que em janeiro deste ano, te solicitei a devolução de uma carta que te havia confiado alguns anos atrás.
Um dia, contar-te-ei a história dessa longa missiva e das repercussões que ela teve na minha vida. Mas hoje, não! Com certeza, inspiro-te repulsa e não pretendo forçar a tua simpatia. Como bem sabes, não obtive resposta – evidentemente – tão pouco leste o E-Mail, enviado, através de uma dessas redes cibernautas, das quais, nos dias que correm, fazemos parte. Ciente que nenhum laço nos une e que só a evocação do meu nome, já é pretexto de comportamentos apreensivos da tua parte, iniciei o meu texto sem grandes floreados ou palavras trémulas. Esgotada pela tortura dos meus pensamentos e de longos parágrafos a implorar-te perdão, alimentada por um coração angustiado, infecionado por feridas lascadas, cujo sangue, não cessava de jorrar e tudo manchava à sua passagem, iniciei-me com a simples frase: “ Podes devolver-me a minha carta ?”
O resto da mensagem que não ousaste ler, seguia do seguinte modo:
" Podes devolver-me a minha carta? "
Vou ser curta e isto vai soar-te estranho. Ando há dois anos para te fazer este pedido. Nunca tive coragem mas como estou a 440 Kms... Tu não me conheces E eu não te conheço a ti, (aparentemente) Escrevi-te uma carta há coisa de 8 anos atrás. Sai de Leça há 6 anos. Sai abruptamente e não trouxe nada comigo. Quando fiz as pazes com o meu pai passados 4 anos tinha perdido a maior parte de todos os meus poemas/ escritos etc. Recuperei uma parte da carta mas faltam-me cerca de 25 páginas.
Assumo - a partida - que a tenhas queimado ou rasgado. Não guardo muitas esperanças que a tenhas contigo sinceramente Também nunca guardei esperanças que a tivesses lido. Sempre achei que a tivesses atirado para o lixo Todavia, há um ano atrás quando te falei nos meus escritos e no facto de achar inadmissível que os tivesses mostrado a outrem, ameaçaste-me dizendo " não faças filmes, não mostrei nada mas se quiseres mostro " .Embora tenha achado infantil, percebi a tua revolta para comigo. Não sabia que te tinhas casado, por isso lamento as mensagens que te enviei a noite e os telefonemas ( julgava-te sozinho )
Escuta, Tiago, eu estou a envelhecer. Tenho 34 anos de idade. Aquela carta é um Diário que perdi e que me pertence; retrata a minha vida dos 11 aos 19 anos de idade, praticamente...
São as únicas memórias que possuo da minha adolescência... Não te vou falar do resto que ela significa para mim porque SOMOS ESTRANHOS UM AO OUTRO e não nos conhecemos...
Eu cometi um erro crasso ao achar que te conhecia. Fui estúpida. Acontece!
O que te queria pedir (não sustentando qualquer réstia de esperança que a tenhas contigo) era que ma devolvesses por favor...
Tu não queres aquele meu testemunho de uma " louca apaixonada " para nada...
Aquela carta foi escrita maioritariamente entre Leça e o IPO do Porto onde a minha mãe se encontrava a morrer de cancro. Passei muitas tardes de Domingo, numa ala qualquer da enfermaria, sentada num canapé, ao lado da minha mãe entubada, a escrever-te aquilo e a rever erros de caligrafia, parágrafos e emoções.
Após a sua morte e a da minha madrasta, aquela carta foi a única coisa que me manteve lúcida e sã, visto que não consegui pregar o olho durante uma semana, após os dois funerais e escrever-te ajudou-me a enfrentar o medo de " fechar os olhos ". Por norma, colapsava de cansaço diante do teclado o que já era perfeito, naquela altura do campeonato, em que os olhos teimavam em não cerrar...
Sendo assim, tem um valor sentimental para mim!
Sem qualquer réstia de esperança, peço-te que se puderes ir a casa da tua mãe e não tiveres rasgado/ queimado ou pura e simplesmente atirado a carta para o lixo ma devolvas. O meu pai ainda reside em Leça...
Não te preocupes, eu estou a 440 Kms daí e já não coloco ai os pés desde o teu aniversário. A propósito, eu nunca iria confrontar-te no jogo. Nem em público. Nem em privado. Tu tens uma vida construída. Os meus sentimentos pertencem-me a mim. Embora me passe - esporadicamente - e exalte o que sinto publicamente, como dor & raiva etc. eu jamais teria coragem de chamar-te a parte para te dizer o que quer que fosse. Na realidade, acho que aparte aquilo que eu sempre te escrevi e continuo a redigir em textos privados, tu e eu nada temos para dizer um ao outro; especialmente tu a mim!
Alguém avisou-me e ameaçou-me caso eu tentasse ir ver outro jogo teu. Na altura, fiquei colérica, mas - acima de tudo - assustada! Como tal, e face as ameaças refreei os meus escritos no Facebook mas não me coibi de ( sei lá ),uma vez por mês, de colocar qualquer coisa anexado as fotografias. Sempre achei que as fosses denunciar o que para mim me parecia lógico mas não o fizeste - como tal - encolhi os ombros!
Quis ter algo teu que me pertencesse exclusivamente: as fotografias são a minha posse privada! Não foram roubadas. Extraídas de um Face ou de um Site. Fui eu que captei aqueles momentos. Esperei 20 anos para o fazer e assim que o fiz - apesar das ameaças - também não quis abdicar das fotografias!
Sem qualquer réstia de esperança, peço-te :" Tiago, por favor devolve-me a minha carta ! "
Sei que tinha uma carta de introdução e um testemunho incomensurável; creio que atingia quase as 70 páginas...
Eu sei o que vais pensar, que é uma manobra, que preciso da carta para qualquer coisa etc porque dado o que aconteceu no passado, não sou uma pessoa - na qual - se possa confiar, certo? Ou tão pouco de boa índole, certo? Agora que estás crescido, que és tio, cunhado, marido, pai, por favor se a tiveres num qualquer canto recôndito da casa da tua mãe, Tiago, por favor devolve-me o que eu te leguei inconscientemente numa atitude errónea de rapariga apaixonada...
Compreende isto, TU ÉS O ÚNICO QUE DETEM A MINHA HISTÓRIA DE VIDA E MEMÓRIAS (se não as colocaste ao lixo) ..
A morada do meu pai é:
Rua xxxxxxxxxxxxx yyyyyyyyyyyyyyyyy zzzzzzzzzzzzz
(tenho poucas certezas quanto ao código postal)
Não te volto a fazer o pedido e cabe-te a ti decidir.
Se te desfizeste dela, paciência...
Obrigado pela atenção!
Tiago, Tiago, Tiago… o quão te custava teres tateado as palavras que aquela mensagem comportava? O quão custava, teres aberto a página, hesitantemente, e teres-me lido? Diz-me, o quão te custava?
Dir-me-ás tu: “ Ler-te é como folhear um caminho solitário de uma alma errante, débil, fria, isolada do mundo, cárcere do seu próprio infortúnio e horrível. Não compreendes? Eu estou vivo! Amo viver e luto por uma vida com valor, onde a alegria possa acalentar os meus dias e a tranquilidade adormecer-me passivamente. Repelem-me esses teus olhos velados, obscurecidos e enevoados sempre pela sombra fatídica de um passado que apenas te pertence a ti, compreendes, Vanessa? Apenas te pertence a ti! Não me leves para essa colina de onde se avistam caminhos lúgubres e por onde te arrastas por entre pântanos negros de ódio e acertos de contas. Não me arrastes para esse caminho de urzes e essa paisagem selvagem e agreste por onde vagueias, entorpecida, molhando-te, incessantemente, ao sabor dessa chuva que tomba sem parar e esse vento noturno que não cessa de soprar. Eu não sinto a chuva a gelar-me o rosto ou o vento a fustigar-me os ossos. Tão pouco sei o que é sentir esse leve torpor de morte que tanto pareces evocar. Eu não sinto a tua dor, Vanessa, portanto, não pretendas aprisionar-me nesse teu mundo enxague, pois eu, não o irei permitir! Vamos! Insta-me a mergulhar no mais intimo dos teus segredos ou no amago da tua dor. Podes até tentar, dardejar o teu olhar incandescente na minha direção, mas será tudo em vão! Não vergar-me-ei perante a tua história! “
Aí tens a tua resposta!
Tiago, eu apeguei-me a “ideia” de te amar desde miúda!
Foste um amigo imaginário, um confidente, o recetáculo de todos os meus segredos.
Eu apaixonei-me pela ideia de estar apaixonada por ti e, devido a tal, raiei histeria durante anos. Nunca supos que a minha incapacidade de me silenciar fosse a génese da minha derrota ante ti. Aperceber-te-ás tu que jamais me conseguirás dominar? Sou vulnerável e a vida escorre-me pelos dedos. Entende, por favor, que antes de partir, necessito que te consciencializes , que os meus lábios podem até contraírem-se e não expressarem mais nenhum resquício do passado, mas os meus dedos não irão compactuar com a minha boa representação de atriz que faço na vida real. Escreverei ferverosamente até que a alma se me canse!
Antes de partir, pretendo editar o que tenho escrito, aparte este Blogue!
É verdade, não lês, por múltiplas e variadíssimas razões, mas não posso deixar de evocar-te incessantemente no livro que estou a redigir.
Confesso. Roubei-te todas as tuas memórias humanas e fiz com que penetrasses num novo mundo onde terás de ver a vida com uns olhos mais débeis, confrontado com o sofrimento, em constante luta com as tuas escolhas…
Tenho a Introdução escrita, alguns Capítulos... Não tenho o Título...
PS: Desististe da (semi) carreira futebolística ?
Vanessa Paquete
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