SO I`M LOVE WITH YOU

Não sei de cor os traços do teu rosto nem sequer conheço o perfume da tua pele ou a candura das tuas mãos mas carrego a tua inicial cravada no meu coração e vi-te nitidamente na minha solidão povoada de sombras a contemplar-me através dos olhos de um outro e a velar-me os passos como um pai faz com um filho. No espaço vazio da minha alma tens sempre um lugar cativo só para ti, aonde tu e eu conversamos muito num prelúdio incessante que mais parece não ter fim, como se ambos não nos quiséssemos largar ou dar continuidade ao livro da minha vida.
Confesso-te que, por vezes, me apetece silenciar tudo, correr as cortinas e sentar-me apenas a teu lado no chão frio do salão e recitar-te palavras de contrafacção e então mergulhar na mais profunda das solidões. Tu chegas em passos lentos e olhas-me calmamente, tocas-me o rosto e afagas-me os cabelos. Reconheces as minhas mãos frágeis e pequenas e o meu corpo diminuído. Sei que quando vires os meus olhos à luz e a miúde aperceber-te-ás que estão rasos de água e que tenho as pupilas dilatadas de tanto ter chorado.
Arranjarás o meu cabelo desalinhado e os primeiros acordes da tua voz serão doces e subtis. Aquecer-me-ás o espírito com as tuas parábolas e quando eu começar uma frase tu simplesmente acabá-la-ás. Apaziguarás a minha raiva e estender-me-ás uma escada em espiral para que eu a suba a conta-gotas até ao Céu e lá do alto, bem no cimo de mim, eu possa vislumbrar o azul do vasto horizonte pintado a pincel. Puxar-me-ás para ti e far-me-ás levantar os pés do chão e rodopiar nos teus braços ao som de uma valsa.
Abraçada a ti chorarei ainda mais e lembrar-me-ei dos amores que perdi e do vazio que eles deixaram em mim.
Falar-te-ei do amor imenso, doce e intemporal que vivi ao lado de alguém que dizia ser o meu anjo da guarda e um enviado de ti para mim. Falar-te-ei dele e das folhas de Outono a gretarem no jardim das nossas almas. Falar-te-ei dele e dos dias que não tinham horas e das horas que não pertenciam a ninguém e do tempo que se dissipava e simplesmente ancorava nas nossas mãos. Contar-te-ei que ele me tapou os olhos e, sem que eu me apercebesse, me levou num tapete mágico a empreender uma viagem ao longo de sete anos por entre a ramagem das árvores e os farrapos de nuvem do céu.
Contar-te-ei que possuíamos um equilíbrio perfeito, que eu vivia entregue a ele e ele entregue a mim. Contar-te-ei que passeávamos de mãos dada pela baixa de Madrid e pelas ruas coloridas de Barcelona, que sabíamos conjugar o verbo partilhar como ninguém mais o sabia fazer e que o nosso amor se conjugava no plural e não no singular. Dir-te-ei que ele via um futuro para nós e que diante dos seus olhos se desenhava uma casa à beira mar e um jardim de orquídeas, que ele sonhava com o cheiro a eucalipto e a alfazema e o riso das crianças. Segredar-te-ei a medo que ainda hoje trago a aliança de noivado presa no meu molhe de chaves, a sonhar com um presente e um futuro melhor, colada a mim como um amuleto sagrado do qual jamais me irei desfazer. De seguida, agachar-me-ei bem junto a ti e falar-te-ei da pele que se gastou, do olhar que se apagou, das promessas arruinadas em discussões que nos levavam a exaustão e das lágrimas que jorravam incessantemente em jeito de confissão. Contar-te-ei como se desfez o nosso pacto de intimidade e como nos separámos numa tarde quente do mês de Agosto.
Contar-te-ei que estivemos juntos anos e que, por vezes, preferíamos calar a falar porque no nosso silêncio com sabor a fel residia a nossa paz e no nosso quotidiano já habitado pelos mesmos hábitos e os mesmos lamaçais havia sempre um rio de esperança que acalentava os nossos ideais.
Os dias correm devagar e estáticos. Três anos passaram-se. Amores vieram e outros tantos partiram.
Escrevo-te palavras prisioneiras no seu descontentamento, palavras sopradas e recitadas ao sabor do vento, num tom lúgubre e de desalento. Escrevo-tas para que tu jamais as esqueças e a minha ama de pássaro tas possa cantar a dado momento…
Foste o meu companheiro de viagem na alegria e na dor e quando, com voz baixa e meiga, te implorava, tal e qual uma criança, para me levantares do chão e me pegares ao colo tu fazia-lo disfarçando-te de outros rostos e outras vozes que povoavam a minha existência e eu amei-os com uma impetuosidade tal que me tornou volúvel, multíplice e vulnerável aos olhos dos outros.
Os dias correm devagar e estáticos e estas e outras palavras delineiam-se na minha mente e quando o faço imagino-te gentil, compreensivo, um amigo cúmplice a ouvir o eco da minha voz a tiritar ao teu ouvido. Imagino-me a ser conduzida por ti numa valsa Vianense e a rodopiar livre e liberta num teatro de sombras onde apenas tu e eu conhecemos verdadeiramente a cor do meu coração…
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