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FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

TIAGO MADALENA ( IV INTERVIEW ABOUT HIM - AQUELA NOITE... ABANDONADA A SUA PORTA)

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Quando se está a encetar uma conversa com Vanessa parece difícil encontrarmos um ritmo próprio. É tudo aleatório. Sem uma sequência homogénea. Tampouco mantêm uma ordem cronológica. As conversas que vão sendo gravadas sequencialmente, quando transpostas para o papel perdem o seu ciclo. Ora falamos presencialmente, ora falamos durante umas duas horas ao telefone. Por vezes, estas conversas possuem um espaçamento de semanas e até serem publicadas é necessário impulsioná-la a fazê-lo. Sim, porque, por mera preguiça ou um medo indómito de ser julgada, Vanessa deixa de envergar aquele estereótipo de mulher felídea que tão bem a caracteriza e decide hibernar no seu casulo e esconder-se do mundo.

Mas uma vez engrenado o tema de conversa, ela mostra-se sempre uma mulher muito disponível para falar acerca do seu passado.

 

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“ They Say That Your Attitude Determines Always Your Latitude “


Helena:
Lembras-te do que me disseste há uns dias atrás no Terreiro Do Paço? “ Sinto sempre que me exponho em demasia nestas conversas. Por vezes, julgo-os totalmente impertinentes, como se já não houvesse qualquer significado relevante em abordá-las “ Tal afirmação significa que já não achas o Tiago Madalena importante?


Vanessa:
(o seu olhar entristece) Não sei como explicá-lo. Durante anos fui apaixonada por aquele homem. Nessa altura tinha um sentimento muito forte em relação ao Tiago. Era irrespirável o ar junto dele. A minha vontade de possessão era indómita, avassaladora. O meu sentimento por ele era incondicional e tal assustava-me. Quando jovem julgava-o atraente, sobretudo por causa dos seus olhos, tão verdes como um mar revolto, absolutamente extraordinários, uns enormes olhos castanho aveludado a mesclarem-se com um verde tão dócil que faziam voar o meu coração. Com o passar dos anos, o seu maior encanto passou a residir noutro tipo de beleza que eu cria inabalável: acreditava na sua integridade enquanto homem, na sua sabedoria, no apelo ao bom senso, na sua compaixão generosa para com os amigos. Julgava-o um homem cheio de valores; a sua beleza estava para lá da sedução física ou de qualquer outro desejo carnal que eu pudesse suster por ele.


Helena:
Sei que tiveste oportunidade de lhe dizer tal; é verdade?


Vanessa:
Sim, e foi algo verdadeiramente libertador! Embora o tenha dito por escrito em mensagens caóticas, creio que ele percebeu que confiava nele. Acima de tudo, acreditava nele enquanto pessoa; para mim, ainda era um mortal endeusado... Eu tenho um caracter volúvel. Ora me zango e fico absolutamente irada, ora me apaziguo e esqueço por completo o motivo da intempérie. Um dos meus maiores dons é conseguir depor em palavras o que me vai na alma. Puder dizer ao Tiago após vinte e dois anos o que mencionei no parágrafo acima foi-me muito importante. Creio que passei metade da minha vida adulta a tentar transmitir-lhe essa mensagem; que o achava um homem íntegro, de boa índole e com um coração pacificador. Já tivera a oportunidade de lhe dizer aos vinte e cinco anos de idade que não o amara apenas pela sua aparência mas sim pelas suas capacidades. Havia algo nele que me atraía e não era pura e simplesmente a sua excelente e agraciada fisionomia. Durante a minha adolescência houve atitudes suas que presenciei que me comoveram e fizeram com que o respeitasse incomensuravelmente. Quem estiver a ler isto irá sempre afirmar que me apaixonei por uma ilusão…


Helena:
Exato, desculpa interromper-te, mas era aí que queria chegar. Muita gente afirma que o seu carater não possui esses atributos todos que lhe conferes e que, para além disso, existem alguns episódios algo sórdidos por detrás da pele de bom moço que costuma envergar… (Vanessa interrompe-me a meio)


Vanessa:
Oh, Graças a Deus (risos) Não pretendo canonizá-lo após a sua morte… É estranho, nos dias que correm, considerarem um cenário assustador um homem que é cobiçado por inúmeras mulheres; onde é que está o problema disso? Cada ser humano possui o livre arbítrio para não se deixar seduzir por um individuo que é apostrofado de galã sedutor. Se a sua maior falha de caracter são os rabos de saias, então, teremos que começar a medir os valores de cada individuo que nos aparece a frente não pela cor do seu coração, mas pela tesão que esconde por detrás da sua braguilha ou pela quantidade de feromonas que segrega a cada segundo que passa (ri-se). Nunca considerei o Tiago um santo. Mentir-te-ia se não te afirmasse que desejei veementemente que os seus olhos se pousassem em mim, e unicamente em mim, mas como pudeste comprovar tal não aconteceu, e, mesmo quando os seus olhos se pousaram noutra pessoa que não eu e o seu coração pendeu em direção a outra mulher, a verdade, é que o Tiago nunca conseguiu refrear o seu ímpeto de macho latino. As mulheres galanteavam-no e ele derretia-se perante o galanteio. Não deve ser fácil ser-se um homem com uma fisionomia daquele gênero (ri-se em altas gargalhadas). Ou possuímos uma moral muito convencional e face as investidas respondemos com repulsa e uma certa serenidade, ou então, adotámos uma postura progressista e esquecemos a linha divisória que existe entre o emblema da integridade e o estandarte dos bons costumes. Em última estância, acabamos por mentir a nós próprios, convencendo o nosso espirito que espalhar charme por aí é já algo bem aceite socialmente e tão comum que não estamos a inferir em nenhum ato pecaminoso.


Helena:
Todavia, tu condenas severamente qualquer tipo de traição ou mentira, inclusivamente, foste muito direta e perentória num texto/carta que escreveste ao Tiago, onde fazias alusão a tua incompreensão para com o seu estilo de vida.


Vanessa:
(ri-se) … Sim, eu e os meus dogmas moralistas! O texto adveio de uma crispação de ciúmes doentia que me assolou em meados do Verão de 2014. É um texto lúcido, revelador e muito sincero, porém, foi redigido no ápice de um equívoco, o que não lhe retira a sua substância e veracidade, mas, as minhas palavras ardentes e profusas foram-lhe lançadas com uma certa indignação até à custa de, na altura, achar que ele estava a ser um canalha. Achava-o um libertino a cometer adultério e a atirar areia para os olhos daquela que o amava. Na altura, não consegui compreender como a sua namorada não se poderia sentir ofendidíssima e caluniada por estar a ser ofuscada daquela maneira por umas férias estivais com amigos onde, para cúmulo da situação, ainda apareciam outras raparigas.


Helena:
O irónico da situação é que – na realidade – a “ sua “ namorada estava ao seu lado.


Vanessa:
Falaremos disso mais tarde... Porque existe muito para contar... Mas voltando a tua questão inicial,  não me recordo dos pormenores concretos, mas, parece-me que sim. (risos). O problema é que o Tiago havia trocado de namorada há já mais de um ano e eu não o sabia sequer. Tudo aquilo que eu suponha estava absolutamente errado. Se a situação em si não me fizesse encarnar um papel tão patético e alienado, quase que poderíamos rirmo-nos alto e bom som de tamanho equivoco meu.


Helena:
O Tiago trocou de namorada e esqueceu-se de te avisar?


Vanessa:
(ri copiosamente) Exato! Foi uma situação ridiculamente ultrajante para mim. Eu sempre fui uma rapariga muito descontraída, de cabeça enfiada no meu mundo, nunca buscando o óbvio e, muitas das vezes, o óbvio está bem diante dos nossos olhos. O maior cego é aquele que não quer ver, já lá diz o ditado…


Helena:
Em que fase da sua vida achavas que estava o Tiago?


Vanessa:
Oh, sei lá… (suspira e fica pensativa).Creio que o achava já de vida feita com aquela que fora a sua namorada de longos anos. Várias vezes advertiram-me para a possibilidade de tal não se passar, porém, a minha mente conservadora nunca julgou que algo se protagonizasse na sua vida de maneira diferente: para mim era o passo lógico a dar! Acabei de me aperceber que saltámos vinte anos precisamente desde a última entrevista para esta que estamos a elaborar; os leitores não estarão confusos?


Helena:
Sim, eu sei. Saltámos de um Tiago com treze anos de idade e uma Vanessa de catorze anos a tatear ao de leve e na penumbra as avenidas nublosas de um jovem que ela acreditava puder ser o “ tal “ que seria definitivo na sua vida…


Vanessa:
Fizeste de propósito não? (a sua voz mostra-se zangada)


Helena:
(risos) Desculpa, mas ainda me é difícil conceber no meu imaginário uma jovem com certezas tão absolutas acerca da sua vida, numa idade tão precoce.


Vanessa:
Não as tinha. E os vinte anos que se seguiram provaram-me o quão errada eu estava. Aos catorze anos, entreguei-me ao Simão, depois voltei a apaixonar-me pelo Tiago incondicionalmente. Muitos cenários passaram-se entretanto; uns bons, outros verdadeiramente malévolos. Muitos namorados aparecerem; com a Graça de Deus nê? Os Orixás ouviram minhas preces e meu Pai de Santo me agraciou com muito cafuné e sacanagem também. Obrigado minha Mãe Iansã (ri-se e faz um sotaque brasileiro ao proferir esta última frase). Estive noiva do Duarte durante sete anos. Numa noite quente de Agosto fui forçada a optar por entre uma vida a seu lado, um apartamento, um canário, um periquito e uma conta poupança ou o meu amor pelo Tiago. Demorei quatro horas a responder a tal questão e, no combate secreto no amago do meu interior, a escolha pendeu em favorecimento do Tiago; nesse dia sentenciei a minha vida! Existem noivas que são largadas no altar. Eu fui largada em plena madrugada defronte da porta do Tiago Madalena. Tinha vinte e cinco anos de idade. Era tão obstinada quanto a jovem que se apaixonara por ele aos quinze anos de idade; sustinha as mesmas ilusões e a mesma esperança. Chorava copiosamente, mas, entre as trágicas circunstâncias daquele abandono as tantas da madrugada, após sete anos de um clamoroso namoro, onde jamais vivi mergulhada silenciosamente nas trevas e a humilhação de estar a ser, literalmente, escorraçada a pontapé da vida de alguém e o pânico que se assomou de mim ao aperceber-me que tal cena poderia atrair atenções sobre nós na calada da noite, tais eram os gritos do Duarte para comigo, resignei-me ao seu veredicto.


Helena:
Como vivenciaste essa madrugada? Alguma vez te passou pela cabeça no auge dos anos noventa, nos teus quinze anos de idade, que dez anos mais tarde serias largada diante da porta do Tiago? (fico pensativa) … Espera, lembro-me de teres comentado comigo algo que ainda não abordamos aqui: uma conversa muito séria que tiveste com o Tiago aos dezasseis anos de idade exatamente diante da porta da casa dele, onde lhe declaraste o teu amor e pedistes-lhe compreensão para contigo e um ínfimo rasgo de esperança que fosse. Deixa-me reformular a pergunta: Alguma vez te passou pela cabeça, no decorrer dessa conversa, que dez anos mais tarde, serias abandonada, exatamente ali, diante da porta dele, às tantas da madrugada, imbuída em lágrimas e com um noivado terminado? Alguma vez tal te ocorreu?


Vanessa:
Nem por uma milionésima de segundos… Embora (faz uma pausa), o meu sentimento pelo Tiago fosse tão forte que sempre supos que, pelo menos do meu lado, a história ainda teria muitas páginas para serem escritas, ainda que o Tiago se transformasse meramente num interveniente fantasma. Se me questionares como vivenciei essa madrugada posso confessar-te que foi uma madrugada agridoce; o Duarte estava colérico, pejado de dor e raiva. Eu tentava acalmar a sua tempestade interior, implorava-lhe para ele não fazer nenhum escândalo, para me levar de regresso a casa, para desligar a ignição do carro (a travagem foi tão brusca que julguei que iria despertar todos os quarteirões em redor), a sua voz transmitia indignação. Mal proferi o nome do Tiago como a minha futura escolha de vida, e aquela que era inegável e irrefutável para mim, o Duarte arrancou com o carro, percorrendo as ruas envoltas em nevoeiro, serpenteando os cruzamentos com demasiada velocidade, as luzes dos faróis estavam no máximo; ele estava completamente descontrolado! Quis manifestar-me, impedi-lo de fazer o que quer que fosse que ele pretendia fazer, mas ordenei a voz na minha cabeça que se calasse e que aguentasse o pavor que estava a vivenciar pois, no final de contas, era um justo castigo por ter escolhido o Tiago; acabar numa morgue ou numa cama de hospital, incapacitada, devido a um acidente de viação. (Vanessa acreditou que devido ao descontrolo emocional de Duarte iriam ter um acidente). Ao chegar a rua do Tiago o carro quase que fez um pião, derrapando até se imobilizar diante da porta dele. A extrema perícia e o controlo absoluto que o Duarte detinha na condução de qualquer viatura que fosse (possuía tanto carros quanto motas de corridas) fizeram com que o pior fosse evitado pois a rua do Tiago é estreitíssima e, um mínimo deslize, acabaria em embate ou despiste numa viatura estacionada. A rua onde o Tiago vivia é um lugarejo demasiado sossegado, absolutamente incapacitada para albergar uma cena de fast & furious. Os pneus chiaram quando ele travou bruscamente. Eu encontrava-me petrificada, agarrada ao assento com ambas as mãos, enquanto o Duarte ordenava-me perentoriamente que saísse imediatamente do seu carro, que saísse da sua vida, quase a fazer lembrar uma canção popular do nosso cancioneiro nacional. Eu mostrei-me relutante em obedecer-lhe e só lhe implorava que desligasse o carro, se silenciasse e refreasse os seus ânimos, que acabaríamos a acordar a rua inteira no auge da nossa discussão, mas, o Duarte estava lívido, os seus traços faciais eram implacáveis, a sua respiração era acelerada e ele tinha estampada no rosto uma expressão de raiva assustadora: ele viera entregar-me ao Tiago, literalmente, na verdadeira aceção da palavra!


Helena:
Bom, tu assim o decidiste: como reagiste?


O nosso ritmo e as nossas conversas telefónicas voltaram a ser interrompidos por uma doença súbita que assaltou Vanessa. Sendo ela a transcritora – por natureza – e avaliadora de todas as conversas que encetamos, a sua disponibilidade e predisposição para estar diante de um computador a redigir o que quer que fosse foi nula, como tal, Vanessa pediu-me um interregno. Por transcrever ainda estavam muitas das nossas conversas, aquando da minha estadia em Setúbal, porém Vanessa salta aleatoriamente de tópico para tópico e, tal como uma maestrina que conduz uma orquestra, também é ela que conduz os nossos diálogos a seu bel-prazer. Regressamos as conversas telefónicas assim que a sua disposição melhorou e o seu humor idem aspas. Por essa altura, Vanessa, havia encetado uma engrenagem diferente no seu Blogue; desde títulos de Posts até ao seu próprio endereço. Reparei, instantaneamente, que a descrição relativamente ao Tiago havia sido substancialmente aumentada, o que me suscitou alguma curiosidade.

 

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Helena Coelho:
Bom dia! Estou feliz de ouvir a tua voz; como te sentes?

 

Vanessa Paquete: (responde-me com um ar maçador) Estou um bocadinho de mau humor hoje, por isso não sei se terei grande utilidade para responder as tuas questões. Continuo mergulhada na minha doença ótica e na bronquite asmática que me está a destruir a paciência por completo. Conhecendo tu como me conheces, sabes que a minha paciência – por natureza – já é limitada, por isso, multiplica ao quadrado o meu grau de exasperação. (suspira) Devem ter-me lançado um feitiço, se ainda fosse um sexy “ I Put A Spell On You “ eu até sucumbia (ri-se amiúde… nota-se que a sua disposição não é das melhores). Como estás tu?


Helena Coelho:
Estou bem, sempre sorridente, de astral em cima, mas um pouco chocada com a última notícia da queda de um avião devido a um piloto depressivo. Queria ler-te a peça que escrevi para a coluna do jornal onde trabalho, mas, se calhar não estás lá com grande paciência para me escutar.


Vanessa Paquete:
Claro que te escuto (sorri). No final da entrevista pode ser? A notícia não me passou ao lado, muito pelo contrário, chocou-me sobejamente. As notícias agora parecem estar diante dos nossos olhos a toda e qualquer hora do dia, no entanto, ouvi a tragédia pelo rádio. Só mais tarde é que vi as imagens. De partir o coração. (faz uma pausa). Conheces um tema gravado pela artista Belga Lara Fabian no decorrer do ano de 1996, intitulado “ J`Ai Zappé “?


Helena Coelho:
Duvido…


Vanessa Paquete:
J`ai Zappé” é uma das melhores músicas alguma vez escritas. É um tema muito social e transparente, daqueles que coloca o dedo na ferida e foca o nosso dia-a-dia, tal e qual como ele é. O segredo das melhores canções é a capacidade de exultarem um sentimento de pertença, quando escutamos uma melodia e nos identificamos com ela. “ J`Ai Zappé” é uma resposta inteligente, escrita já em meados de 1996, acerca dos Media e da violência gráfica e do terrorismo que invade diariamente os nossos noticiários. Existe uma razão muito simples e prática para me ter apaixonado, irremediavelmente, por Lara Fabian: é uma artista completa que sabe articular as síncopes do coração com temas socialmente pertinentes.


Helena Coelho:
Estou curiosa…De que fala “ J`Ai Zappe”?


Vanessa Paquete:
(canta em francês) Então eu fiz zapping/ Para que a imagem mudasse/ E rezei com fervor/ Se existe alguém lá em cima no Céu/ Faça com que possamos recomeçar do zero/ E eu espero /Não existe mais nada a fazer/ Já ninguém mais se entende/ Neste nosso pequeno planeta/ Todas as nossas preces/ Perdem-se no meio da tempestade/ Mas esta voz incisiva/ Ainda me diz que um dia tudo há-de passar… Tens de escutá-la! É maravilhosa…Uma letra soberba com uma cadência agressiva e subtil, em simultâneo, a melodia cai que nem veludo no ouvido e de seguida atinge-nos que nem um relâmpago no refrão com uns rifes de guitarra a rasgar-nos a alma! Tens mesmo de escutá-la!

 

 

Helena Coelho: Retomamos a nossa entrevista?


Vanessa Paquete:
Sim, claro, refresca-me lá a memória; onde é que havíamos ficado?


Helena Coelho:
Na noite em que foste abandonada, literalmente, no altar. (tento meter-me com ela)


Vanessa Paquete:
(dá uma pequena risada) Sim, é verdade, havíamos ficado algures para o meio dessa experiência alucinante transcendente. Sabes que depois de reler e escutar o que havíamos gravado, me dei conta que eu devo ter sido a única rapariga abandonada a porta do Tiago Madalena?


Helena Coelho:
É bem provável! Também sempre foste a mais dramática (faço uma pausa) ou a mais apaixonada… ou a mais teimosa; nunca sei como apostrofar esse sentimento que sentias por ele. Diz-me, como reagiste ao abandono do Duarte?


Vanessa Paquete:
Foi muito difícil. Não havia argumento que pudesse contrariar a decisão do Duarte. Não havia tempo para dramatizar ainda mais a situação. Aquela não era a hora nem o lugar. Tinha de evitar a todo o custo um escândalo diante da porta do Tiago. A lógica, naquela noite não estava a favor do Duarte que estava, completamente, subjugado pelo seu lado mais emocional. Tinha de ser eu a racionalizar os sentimentos, a aceitar os fatos, a estancar os gritos, a silenciar o nosso duelo de titãs. Sentia-me completamente apavorada. Temia violentamente. O único pensamento que me atravessava a mente era que o Duarte ia arrastar-me pelo braço, levar-me aos tropeções até a porta do Tiago e premir a campainha.


Helena Coelho:
Porque ele o ameaçara fazer, certo?


Vanessa Paquete:
Sim (a sua voz está embargada) … A minha cabeça rodopiava vertiginosamente. A princípio tudo parecia pouco claro, como se estivesses imersa num pesadelo, porém, a medida que os minutos e a hora avançavam, a certeza de que o Duarte se encontrava completamente irado, tornava-se cada vez mais evidente. Ele acabara de se aperceber que após sete anos de namoro eu lhe roubara anos de vida, o traíra em pensamento constantemente e o enganara; pois eu continuava, incondicional e irrevogavelmente, apaixonada pelo Tiago!


Helena Coelho:
Então estás a querer dizer que nunca foste apaixonada pelo Duarte, que assumiste uma relação durante anos apenas para o tentar esquecer, que o Tiago sempre te assombrou e que mentias a ti própria afirmando que a sua invisibilidade te ajudaria nessa tarefa?


Vanessa Paquete:
Não, não…Não compreendes, Helena? É possível amar-se em simultâneo mais do que uma pessoa, sem que tal seja considerado traição ou poligamia. Existem variadíssimas formas de se amar alguém. O Duarte protegia-me, tinha um olhar afável, um abraço intenso, seguro, pacificador… Era o meu anjo protetor. Eu adorava-o e posso afirmar-to, sem qualquer sombra de arrependimento ou dúvidas, que vivi colada a ele durante sete anos; erámos um verdadeiro casal, bolas! Contudo (lamentou-se pesarosamente) existiam sempre réplicas do Tiago na minha cabeça que me traspassavam. Nunca me foi necessário existirem redes sociais cibernautas para que o Tiago vivesse insistentemente na minha cabeça, como referiste, e bem, a sua invisibilidade não fazia com que eu deixasse de pensar nele.


Helena Coelho:
Enquanto namoraste com o Duarte tinhas algum contato visual com o Tiago?


Vanessa Paquete:
Vai parecer-te algo estarrecedor, mas não. Não coloquei os olhos em cima do Tiago desde meados do Verão de 1999 até o Carnaval de 2004 o que perfaz cerca de cinco anos ao todo sem qualquer contato visual. Não sabia se ele estava vivo ou morto. Casado ou solteiro. E, na realidade, pasme-se a comunidade, não faço a mínima ideia de absolutamente nada do que se passou na sua vida desde meados de 1999 até o ano de 2006. Foi uma rede cibernauta a abrir-me de novo uma frincha de uma janela que me dava uma réstia de possibilidades de espreitar um pouco a sua vida; ainda assim, muitas das ilações que concluí, não passaram de meras suposições.


Helena Coelho:
(sorrio perante o fato de ela acreditar que eu fosse achar tal afirmação estarrecedora) Vanessa, os grandes amores, não necessitam de uma atualização anual da vida do outro. Agora surpreendeste-me! Em todas as histórias de amor literárias e cinéfilas não se passam anos até que um volte a encontrar o outro, sem que nunca o tenha esquecido? Não é esse o segredo das grandes histórias de amor das nossas obras literárias? A ausência com a permanência do nosso amor pelo outro no coração! Pensei que soubesses que o primeiro amor nunca se esquece, ou pelo menos, os grandes amores… A ausência não diminui em nada o nosso sentimento.


Vanessa Paquete:
Ah, pois, estava a tentar ser um pouco racional.


Helena Coelho:
Suponho que tenha sido o fato de reveres o Tiago em 2004 que te tenha feito ponderar a relação e contornar a esquina, não? (sinto-a engasgar-se um pouco e se a tivesse diante de mim iria jurar que está a ruborizar)


Vanessa Paquete:
Sim, foi um encontro que eu não estava de maneira alguma a espera ou sequer preparada para enfrentar.


Helena Coelho:
Mas, esclarece-me apenas uma questão: tu e o Tiago não viviam a dois quarteirões um do outro? Como é que é possível duas pessoas que residem na mesma cidade, que não alberga mais do que 20.000 habitantes, nunca se esbarrem no meio da rua? Vocês viviam praticamente a uma avenida de distância…


Vanessa Paquete:
(fica pensativa) Sim, olhando para trás, vivíamos tão próximo um do outro que parece incrível que nunca nos tenhamos esbarrado. Na altura, eu mudara por completo a rotina e regras da minha vida; o Duarte vivia a 40 Kms de Leça e eu, por norma, saía de casa as 07:00 da manhã e apenas regressava as 24:00: trabalhava, estudava, estava a tirar a carta, tive mais do que um trabalho em simultâneo, pratiquei jogging e natação durante três anos. Como podes ver, pouquíssimo tempo me restava para cirandar pelas ruas de Leça: eu tinha uma vida repleta de atividades, uma família para confraternizar, amigos para conviver, um namorado, atividades laborais em grandes empresas… Eu tinha uma vida, percebes? (a sua voz soa tão triste que consegue percecionar se o quanto se sente frustrada momentaneamente e saudosa dos tempos idos)


Helena Coelho:
Todavia, pensavas todos os dias no Tiago…


Vanessa Paquete:
Sim… Conseguia sempre reservar-lhe espaço no meu coração e pensamentos para ele, onde quer que eu estivesse. A noite, antes de adormecer questionava-me sempre por onde ele andaria, com quem estaria, em que abraço perder-se-ia… Por vezes, uma simples melodia na rádio trazia-mo a memória e lá ficava eu perdida nos meus devaneios. Outras vezes, recordava-me dele, tão simplesmente, a contemplar um filme ou uma antestreia no cinema.


Helena Coelho:
Como foi esse teu encontro com ele?


Vanessa Paquete:
Foi algo profético e como se estivesse predestinado a acontecer. Eu sempre evitara frequentar bares em Leça para não ter de me cruzar com ele, tampouco com os seus amigos. Eles contemplavam-me pretensiosamente, havia um claro mal-estar entre nós… Era difícil de entender como uma história a uno conseguia afetar uma miríade de pessoas. Existe uma história de desamor agridoce entre mim e todos (dá enfase ao dizer “todos”) os amigos do Tiago que já remonta quase a pré-história. É inexplicável.


Helena Coelho:
Não serás tu que tens a mania da perseguição? Fiquei com uma clara perceção que a animosidade apenas se deu após o teu desentendimento com a Renata em finais de 2012; não terá sido assim? Na realidade, dir-se-ia que foi apenas no decorrer desses acontecimentos que eles, verdadeiramente, ficaram a saber quem tu eras.


Vanessa Paquete:
Hum, ena, começo a acreditar que és uma espiã ao serviço deles. (pronuncia com estranheza)


Helena Coelho:
Deixa-te de tolices. Simplesmente estou a constatar fatos! Continua, por favor…


Vanessa Paquete:
Numa noite, depois de ter trabalhado doze horas (que era a minha rotina habitual já há mais de um ano visto que possuía dois empregos), um dos meus colegas do restaurante onde trabalhávamos em part-time persuadiu-me vigorosamente a ir com ele até um bar que eu desconhecia (o Bit Bar). O Francisco andava de beicinho caído por uma funcionária brasileira que trabalhava lá, a Gabriela! Eu recusei. Pedi para ele me levar a casa. Já passava das 24:00. Precisava de acordar dali a seis horas para entrar a trabalhar na minha atividade diurna; o escritório de advogados do nosso Ministro da Defesa. Eu franzia o sobrolho de cada vez que o Francisco insistia. Ele acabou por resignar-se e levar-me até casa. Todavia, quando estava a abrir a porta do seu Audi para sair, suspirei, soltei um gracejo qualquer e assenti a que ele me levasse ao tal bar, contanto que apenas ficássemos lá meia hora. Quando chegamos o bar estava praticamente vazio o que fez sentir-me um pouco aliviada pois odeio confluência de pessoas. Fui, com relutância, sentar-me a uma mesa num canto adjacente ao próprio bar aonde se serviam as bebidas, tentando convencer-me que seria melhor despachar aquela saída o mais rapidamente possível. Estávamos a pedir uns tónicos quando um pequeno grupo entrou pela porta lateral do bar. Consegui percecionar, de imediato, a voz do Tiago. Um feito inacreditável para alguém que não a escutava acerca de cinco anos. O Tiago tampouco deu conta da minha presença no bar e, como tal, sentou-se exatamente no lugar vago a minha frente. A sua voz transmitia energia, vivacidade e uma alegria contagiante; meu Deus, era o meu Tiago, tal e qual eu me recordava dele… Notei que ele não trazia nenhum casaco vestido, mas apenas uma camisola de malha azul-escura de mangas compridas com decote em V. Envergava uns jeans que lhe assentavam colossalmente bem, e, que a juntar a camisola, faziam um conjunto perfeito para manter os meus olhos cravados nele. Eu comecei a mexer nervosamente no fecho de correr do meu casaco de lã, sem conseguir fazer com que os meus olhos deixassem de se incidir no seu rosto, com um ar especulativo. Ele ainda não me contemplara o que fez com que agisse normalmente. Estava muito bem-humorado, rindo compulsivamente e fazendo covinhas de cada vez que o seu sorriso se abria de par em par. No meio de uma gargalhada sonora, ao erguer a sua cabeça, e de mãos depostas nas suas ancas como que a apoiar-se nelas, cruzou, finalmente, o meu olhar que o contemplava já há minutos condescendentemente. Olhou-me pasmado, ergueu uma sobrancelha e, pura e simplesmente, congelou no tempo; o riso morreu-lhe nos lábios, ficou lívido e incapacitado de pronunciar o que quer que fosse. Lancei-lhe um olhar admoestador, com laivos de emoção que lhe implorava silenciosamente: “ Por favor, não te mexas, não fales, nem respires, deixa-te ficar apenas aí e permite-me que te contemple assim, por favor Tiago, volta a sorrir, por favor Tiago… há anos que eu espero por este reencontro “


Helena Coelho:
Uau, deve ter sido uma estranheza de sensações para ambos, mas, indubitavelmente, uma prova forte e concreta que vocês não passavam indiferentes um ao outro, ainda que por razões bem distintas.


Vanessa Paquete:
Eu tinha as minhas mãos unidas debaixo do queixo; inclinei-me para a frente, com a mão direita em concha, amparando o cabelo e tentando respirar. Fiz um esforço para lembrar-me de como se expirava novamente porque a minha respiração cessara de fluir e, a qualquer momento, parecia que o meu coração ia explodir de tanta emoção. Tive de desviar o olhar para não sucumbir perante aquele nosso enleio. Os seus olhos estavam arregalados de admiração e consternação, ao mesmo tempo. Num ápice, reparei que o Tiago ergueu-se atabalhoadamente, contornou a mesa e sentou-se de costas voltadas para mim, acendeu nervosamente um cigarro, (fumava-o compulsivamente), e manteve os seus olhos pregados num concerto dos Pearl Jam que passava na TV. Parecia que estava em estado de choque, impaciente e extremamente frustrado com o desenlace daquele nosso reencontro. Passou de um estado de descontração total a uma atitude de apreensão (aliás tão típica nele diante de mim). O seu olhar transformou-se num semblante carregado, os amigos repararam que algo se havia passado, questionavam-no incessantemente se estava tudo bem, porque mudara de lugar mas o Tiago apenas fumava e mantinha as suas costas voltadas para mim e o seu olhar estampado no raio do concerto da banda de Seattle.


Helena Coelho:
Foi nessa altura que resolveste entrar em contacto com ele; certo?


Vanessa Paquete:
Sim. Ele havia reagido tão mal a minha presença e havia-a encarado com tanta frieza e repugnância que, inconscientemente, acabei por levantar uma série de questões na minha cabeça, uma série de interrogações suficientemente abundantes para darem comigo completamente em doida. Precisava falar-lhe; entendes? Questioná-lo por que razão era tão seletivo, por que razão o espirito dele se ensombrava sempre que me via, por que razão o rosto dele se tornava indecifrável e cáustico. E a minha curiosidade não seria saciada com um mero e parco “por que sim”! Recusava-me teimosamente a ficar sem respostas. Eu debatia-me com um ardor sufocante que me percorria o corpo todo de cada vez que o via e ele, meramente, olhava-me de relance e não me retribuía o olhar – muito pelo contrário – debatia-se ele próprio também contra a tentação de espreitar o meu rosto…


Helena Coelho:
Talvez por medo… O vosso passado havia deixado marcas indeléveis em ambos, mais uma vez, por razões bem distintas, mas, o Tiago devia sentir um pânico desconcertante quanto te via. Para te sintetizar melhor; ele devia sentir uma grande sensação de angústia de cada vez que se cruzava contigo… (fiz uma pausa, o silêncio pesaroso do outro lado da linha fazia-me adivinhar que havido atingido Vanessa bem no seu calcanhar de Aquiles…teria sido demasiado dura para com ela?) Ainda estás ai?


Vanessa Paquete:
(silêncio) Bem, és muito perspicaz mas não me faças parecer a malévola, contudo, admito que estás absolutamente certa quanto aos aspetos negativos e foi tal iminente conclusão que fez com que lhe redigisse uma longa carta a desculpar-me perante ele. Queria pedir-lhe perdão. Esclarecê-lo. Tentar explicar-lhe, ainda que atabalhoadamente, o porquê desta atitude, o porquê de outra reação mais colérica, a razão dos meus devaneios, enfim, queria puder explicar-me perante ele.


Helena Coelho:
Pediste-lhe perdão?


Vanessa Paquete:
(faz uma pausa) Não sei se ele chegou a página onde o pedido de perdão estava estampado, mas, sim, pedi-lhe perdão, inclusivamente, pedi perdão a ambos, a ele e ao Ivo. Sentia que havia sido desastrada. Que eles haviam sigo sugados pelo meu humor imprevisível e que, em muitas das vezes, eles me haviam magoado não propositadamente, mas sim devido as suas idades tão precoces. Tal não apagava a humilhação que eu sentira na pele, o desprezo vivenciado, mas acabava por lhes dar um pretexto para serem desculpados por mim e, consequentemente, para eu lhes pedir perdão pela minha retaliação à indiferença deles. Era assim que eu pensava nos meus vinte e cinco anos de idade; que uma explicação resolveria as dificuldades, abrir-me-ia novas opções e dar-me-ia uma outra oportunidade, quiçá, de redimir-me. A carta que lhe redigi no ano de 2004 foi uma das jornadas mais agradáveis que empreendi em toda a minha existência: nunca me sentira tão próximo de alguém! Escrever-lhe e falar-lhe era um deleite para o meu coração; era como se estivéssemos sentados a beira-mar e eu pudesse contemplar os seus olhos cristalinos verde topázio e as nossas mentes estivessem sintonizadas numa frequência só, em uníssono! Demorei cerca de catorze meses a redigir-lhe a carta e posso dizer-te que senti o Tiago sempre comigo, a meu lado, enquanto lhe sussurrava aquelas palavras de amor e redenção. Vê-lo naquele Carnaval no Bit Bar após tantos anos mudou o meu estado de espirito. A sua atitude também suavizou-se um pouco após o primeiro encontro. Creio que ele precisou de mais alguns embates nossos para se refazer do choque e tirar a lividez do seu rosto, mas, amiúde foi chegando lá. Notei que se sentia sobejamente protegido, ou quando estava rodeado pela panóplia dos seus amigos, ou quando já bebera uma ou duas cervejas ou shots (talvez tal o ajudasse a descontrair).


Helena Coelho:
Onde ficou o Duarte no meio de tudo isso?


Vanessa Paquete:
(suspira) Esquecido… Todavia, ainda seriam necessários cerca de dezasseis meses até a nossa relação terminar e eu ser abandonada a porta do Tiago, feita uma noiva largada em pleno altar!


As nossas conversas telefónicas voltaram a ser interrompidas de novo. Vanessa decidiu dividi-las em transcrições mais sucintas. A sua disponibilidade era muito limitada devido a toda a engrenagem do Evento Desifoto Lisboa 2015, ao qual, enquanto Organizadora, nem chegou a comparecer devido a problemas sérios de cariz pessoal e de saúde. Sendo ela a transcritora – por natureza – e avaliadora de todas as conversas que encetamos, o regresso ao Blogue fez-se de uma maneira morosa; a sua predisposição para escrever acerca do Tiago e acerca daquela noite não era das melhores, ainda assim prometeu continuar a entrevista brevemente…


CONTINUA…


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 Vanessa Paquete 2015 ©

Helena Coelho 2015 ©