I`M LOST
Dizem que a arte de escrever-te me ajuda enquanto catarse emocional. Dizem também que existem recordações que de tão dolorosas se transformam numa miscelânea de nostalgia e melancolia que nos acompanharão até ao fim dos nossos dias. Dizem, de igual modo, que na iminência da vertigem e do abismo o apoio de amigos e familiares e, até mesmo de técnicos especializados, é fundamental na ajuda de uma vivência meramente razoável.
Não possuindo eu nenhum desses apoios acima mencionados que me resta então?
Escrever-te!
Deixar de ser hipócrita. Libertar-me de todas as máscaras e subterfúgios. Deixar de sublimar certas e determinadas emoções, revestidas de lirismos apenas para parecer bem aos olhos de outrem. É essencial que eu consiga exprimir a minha dor, revesti-la de uma personalidade e dar-lhe voz para que esta possa gritar avidamente o seu pesar.
Tu és tão belo e tão feliz (dentro do culminar das aparências claro)! Mas diz-me, como consegues tu alcançar tamanha perfeição existencial, Tiago?
Questiono-me como e porquê! Para mim, tornou-se na maior incógnita da Humanidade. Claro que o meu subconsciente, revestido de um certo mecanismo de autodefesa lá mo explica. Mas a dor permanece!
Perguntam-me porque te escrevo. A resposta é óbvia. Pretendo apenas avivar a minha memória e tornar-me visível perante os outros visto que, durante um longo espaço de tempo, andei incorpórea sem que ninguém me pudesse ver. Diziam que sim, que me viam nitidamente, como dois olhos que contemplam as águas calmas de um rio lendário mas mentiam. Mentiam sem se aperceberem que teciam mentiras a eles próprios. Estavam cegos diante de um rio de águas turvas à mercê das intempéries que o assolavam. Como o ser humano pode ser tão mentiroso. E hipócrita!
Sempre que a dor aumenta a ponto de se me consumir as entranhas e dilacerar-me o coração, sento-me a escrever-te! Não sou uma escritora exímia! Uso o papel como recetáculo das minhas mágoas e dores mas, mesmo assim, denoto, que poucos escutar-me-ão, consequentemente, sinto-me sozinha a cada dia que passa, numa languidez que só a morte parece ter a capacidade de apaziguar.
O objetivo da escrita e de me confessar perante ti é o extravasar das emoções contidas num recanto da minha mente demasiado exíguo aonde não existe oxigénio para respirar. Nem se trata tanto de um grito de alerta, mas sim, mais de um desabafo espontâneo. A sociedade e o mundo onde tu vives exige-me que use a hipocrisia como uma máscara. Que forje gargalhadas no meu quotidiano, Que pactue com o bem-estar dos outros que não se coaduna em nada com o meu.
Quando a dor me consome há uma necessidade intrínseca, quase que visceral, de partilhar com os outros o peso que me consome, as saudades que latejam dentro do peito, as recordações que me assaltam constantemente e me deixam reféns da suas grilhetas; há uma necessidade de partilha, de te fazer confissões, de te desvendar segredos e falar, falar, falar e falar ininterruptamente e tudo isto é possível de ser feito mesmo sem ninguém por perto. Basta apenas escrever-te!
Quando estamos sob o espectro da dor, a exposição é constante, não há disfarces que nos ilibem. Há quem a domine e manipule no seu dia-a-dia e depois existem aqueles que, como eu, sucumbem perante ela porque o nosso equilíbrio é tão frágil que qualquer pequenino episódio ou mínima perda que aconteça e fuja, ainda que involuntariamente, ao nosso controlo pode fazer desabar as poucas pedras que tentávamos erigir da nossa morada ainda em obras e constante reconstrução de alicerces.
Creio que, através de tudo aquilo que pude vivenciar, ver, ler e até escutar, de ti e dos teus amigos vocês não possuem qualquer sensibilidade ou discernimento sequer, para entender a desorganização emocional que existe na minha mente (não querendo eu imputar culpas a ninguém). Todavia, a lógica que eu tento começar a forjar para reestruturar as minhas vivências e reorganizar o meu dia-a-dia permanece irrecuperável devido a uma revolta lancinante que me consome, incessantemente.
E…
Tiago…
Há quem diga que na guerra e na revolta existem duas velhas máximas a seguir: na revolta zangámo-nos porque não conseguimos deixar de nos revoltar e na guerra revoltamo-nos porque não conseguimos deixar de guerrear! Assim se enraíza a angústia em nós e cresce que nem um Golias, assustadoramente, a descoberto e a olho nu aos olhos de outrem!
Este foi o décimo nono desabafo. Muitos outras hão-de vir!
Obrigado aos olhares atentos! E a quem estiver aí do outro lado!
Vanessa Paquete 2014 ©
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Pareço um disco riscado e rachado sempre a falar da dor e da morte.
Mas é que sempre que tento relatar factos, acabo por me afogar nestes relatos abstractos