SIM, SOU MULHER E GOSTO DE FUTEBOL /QUARESMA LEVA-NOS AOS QUARTOS DE FINAL DO EURO
Dizem que as mulheres criticam os homens por apreciar futebol. Porém, quando chega a hora da seleção jogar somos nós as primeiras a mostrar a nossa cara pintada com as cores vermelho e verde, as primeiras a envergar t-shirts sexies com as insígnias de Portugal, as primeiras a adiantar o jantar para nos sentarmos em frente ao sofá para vermos os nossos onze magníficos a fazer o seu samba de bola.
Nós, mulheres, gostamos de futebol.
Principalmente, se estivemos a falar da seleção nacional que enverga as cores do nosso país além-fronteiras e faz ecoar o nome da nossa nação pelos quatro cantos da Europa.
É uma questão de patriotismo, sim!
Não somos cegas. Aliás, creio que ninguém é cego. Sabemos perfeitamente bem a situação calamitosa do nosso país a nível socioeconómico, da precaridade instalada numa nação que não possui mais de onze milhões de habitantes e onde, cada vez mais, se consegue sentir o fosso entre a classe média-alta (antiga burguesia) e a classe baixa (a plebe)!
Eu própria sou uma das vítimas deste governo desgovernado!
Contudo, como não nos deixarmos hipnotizar por aquele vaivém de bola que faz o nosso coração acelerar, titubear e sofrer de síncopes cardíacas? Não se trata de nos deixarmos inebriar por um CR7 e a sua valsa de bola que – para uns não tem agradado o compasso e para outros faz o que pode – mas, sim, deixarmo-nos inebriar por uma evanescência qualquer que nos injete adrenalina nas veias, nos faça o sangue latejar e os pulmões gritarem alto e bom som, insensatos e frivolamente que aqueles onze homens representam as cores do nosso coração e que- independentemente – do visível caos do país que nos faz mergulhar num estado depressivo deplorável, ainda existe algo que nos faça vibrar em uníssono e assoberbar os nossos sentidos por 90 minutos que seja.
Portugal está nos quartos-finais!
Quem – no seu íntimo – não terá rejubilado com tal feito e aplaudido interiormente, mesmo que não o tenha demonstrado?
A semana chega com todos os nossos problemas a mesclarem-se numa grande redoma de vidro de onde não conseguimos sair, e de repente, existe aquele desejo indizível e dissoluto que chegue aquele tal dia; o dia de onze homens entrar em campo e nos toldarem os sentidos por breves minutos que sejam…
Naquele momento não sou ninguém!
Naquele momento sou um todo!
Harmonizo a minha voz para entoar o hino nacional. A minha prerrogativa é uma e única: a vitória! Que vençam e me façam soltar um grito no fim do jogo. Deposito a minha fé naqueles onze homens que não conheço de lugar algum para me arrancarem da depressão e do caos que é a minha vida. Durante aqueles 90 minutos não tolero complacências. Não sou condescendente. Sou uma mulher e – igual a qualquer outro homem - quero que tragam a taça para casa e façam com que o meu rosto pálido como mármore se ruborize, ganhe vida e possa esboçar um sorriso de felicidade.
Os problemas continuarão a surgir, a doença de qualquer individuo continuará a avançar, a conta bancária continuará a decrescer, os filhos a chorar e as palavras de encorajamento a escassear.
Mas durante os 90 minutos que aqueles onze homens estão em campo ninguém mais olhará para nós com comiseração, não haverá o ensejo de nos dardejarem com palavras de esperança que não existem mais; essas agora estão depostas num campo de futebol numa cidade qualquer francesa e é lá que devem ficar!
A vida é efémera e sensaborona.
Sim, bem sei, eu não ganho os milhões que eles ganham!
Tampouco estou indiferente a tal, mas deixem-me sentir por uns breves minutos, a ser impelida por um sentimento de orgulho incontrolável e pela vontade de os ver a marcar golos na baliza adversária. Deixem que o nervoso miudinho tome conta de mim e as lágrimas possam jorrar dos meus olhos se não passarmos dos quartos-finais. Prefiro derramar lágrimas pela confiança dos nossos jogadores ter titubeado em campo do que pelo caos da minha vida.
Estou confiante e tenho a plena convicção de que voltarei a gritar por Portugal!
Nós, mulheres, gostamos de futebol.
Nós, mulheres, gritamos quando o Ricardo Quaresma transformou um resultado irremovível numa passagem sofrida mas não impossível.
Não somos frívolas no nosso dia-a-dia, tampouco insensatas. Não perdemos o juízo ou o senso-comum.
Todos os dias somos bombardeadas pela vida, o governo, os órgãos de comunicação social, os vizinhos até com saudações anti climáticas, e lá vamos nós aguentando estoicamente este caos que é a nossa vida, portanto, deixemo-nos de palavras e atitudes dengosas e exultemos, por uns breves 90 minutos, pelos onze homens que entram em campo e que – num samba de bola frenético – podem transformar as vergastadas que a vida nos dá em carícias momentâneas a aflorar o nosso ego.
Sim, sou mulher, e gosto de futebol!
Sim; sou Portugal!
Texto & Crítica: Vanessa Paquete 2016 ©
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