MADONNA - REBEL HEART ( SHE CAN`T GET ENOUGH OF MARYLIN AND BEING SIMPLY AMAZING )
Madonna regressou: rebelde, vulnerável, explícita, provocadora! Uma Madonna que já não víamos há algum tempo, menosprezando as tendências dos seus dois últimos álbuns, em que incluía produtores que singravam na indústria musical do momento e a faziam balançar ao som do groove que incendiava o mundo fonográfico em voga. Não significa isto que, desta vez, Madonna também não o tenha feito. A verdade é que fê-lo; mas de uma maneira mais inteligente e complexa. Em Rebel Heart, Madonna, concebeu um produto ambíguo. Ambíguo porque nos faz reavivar a memória e devolver ao nosso subconsciente algumas das tendências mais dançáveis e intimista que caracterizaram tanto uma geração que a aclamou e cresceu conjuntamente com ela (a geração da década de 90) e ainda se rodeou de uma série de produtores atuais do século XXI!
Nos últimos anos, ao invés de colaborar com a genialidade de produtores relativamente obscuros como ela fez em clássicos como Erotica e Ray of Light, Madonna contratou grandes nomes como Timbaland e Benny Benassi. É consensual que Madonna criou os seus melhores álbuns a colaborar, primariamente, com um produtor destinado unicamente a cada álbum, tal como aconteceu com William Orbit em Ray Of Light, Nile Rodgers em Like A Virgin ou Patrick Leonard em Like A Prayer. Mas a conexão com Avicii conduziu-a à metodologia predominante do século XXI de se ter múltiplos colaboradores a trabalhar e retalhar multíplas canções o que pode resultar numa obra genial ou numa caocidade total. A ideia de Madonna em criar um conceito de dualidade em Rebel Heart fazendo dois álbuns distintos poderia ter resultado num golpe de mestre porque as baladas são poderossíssimas e tão intimistas, ao ponto de nos fazer lembrar o brilhantismo de Ray Of Light.
Recordemos que os resultados de 2008 do Hard Candy e MDNA em 2012 foram desagradáveis para a carreira de Madonna e fez-nos pensar que a sua criatividade artística se desvanecera com a inevitabilidade do seu próprio envelhecimento. Em Give Me All Your Luv , um tema de 2012 interpretado ao lado de Nicki Minaj e MIA, Madonna não se encaixava em absoluto. Juntar a Rainha da Pop ao lado dos Rappers do momento só vinha comprovar ainda mais aquilo que os fãs receavam: Madonna tentava recuperar desesperadamente o seu trono ao lado das artistas em voga, deixara de lado a sua arte individual para se transformar numa espécie de vampira a cobiçar a juventude das suas concorrentes, mas, em Rebel Heart, Madonna vingou-se das acusações à sua pessoa encarnando essa crítica e usando-a a seu favor como pólvora e gasolina para hinos megalómanos e confissões vulneráveis perfeitas para o surrealismo.
Rebel Heart, como a maioria dos álbuns de Madonna, soletra o seu conceito diretamente, sem grandes camufulagens à mistura. Originalmente, Madonna planeara efetivamente um álbum com dois conceitos distintos tais eram as quantidades das faixas produzidas. Madonna desejava criar uma dualidade: Rebelde versus Coração. “Um aspecto seria uma representação do meu lado mais rebelde e provocante. E o outro seria o lado mais romântico e vulnerável”, afirmou a cantora. Todavia, finalizado o álbum, Madonna decidiu alterar-nos as emoções e mesclar tudo numa amalgama só o que resulta num produto que não é coeso, mas, pode ser visto, antes como uma retrospetiva incisiva em todos os estilos musicais experimentados por Madonna desde a década de 90 até pleno século XXI. É algo raro em Madonna, porém, já o tema Veni, Vidi, Vici o diz: Madonna chegou, viu e venceu e em Rebel Heart constrói uma autobiografia triunfante através dos títulos das suas canções e da sonoridade que emula em cada faixa.
Na prática, soa-nos algo atroz escutar Madonna a interpretar algo acerca dos Illuminati, e juntar várias celebridades à mistura, ou escutá-la em três ou quatro faixas atribuir a si própria uma série de epítetos bem grotescos onde se autoproclama uma cabra descarada e inflexível, à qual é melhor as hodes obedecerem: a Madonna de inícios dos anos 90 está de regresso como nunca antes se viu e é aí que se encontra toda a mística do álbum; em algumas faixas encontramos a Madonna da edição do filme Truth Or Dare, a libertina do livro Sex com uma série de polêmicas a perna acerca da sua sexualidade e índole e queremos repassar a faixa o mais depressa que conseguirmos porque ninguém gosta de escutar alguém autoproclamar-se de cabra e depois, como que por um passe de mágica, surgem-nos aqueles temas surpreendentes onde Madonna parece francamente vulnerável e sincera.
Devil Pray inicia-se com uma sonoridade muito semelhante a fase do álbum American Life onde faixas como Tell Me brilharam, mas, desta vez, a artista mergulha com profundidade nas suas confissões, argumentando, que aos 56 anos de idade pode drogar-se, beber uísque e fazer todo o gênero de prosmicuidades porque entre o bem e o mal até o Diabo reza e, no final, ao som de uma Aléluia ela poderá ser salva. No fim de contas, é um tema inteligente acerca de absolvição e de como Deus é benevolente (remeniscências espirituais de Like a Prayer?) Musicalmente, o tema é polido e muito Avicii, mas espiritual e absolutamente triunfante.
Os crescendos de vulnerabilidade que existem latentes em Ghosttown transformam o tema numa daquelas grandes canções de dança que sabemos, de antemão, que irá triunfar e que será o próximo single a escalar os Charts Internacionais. Numa dualidade de angústia e força Madonna canta pungentemente e encorajadora, ao mesmo tempo: "Tudo o que possuímos é o amor." Durante o refrão, Madonna autoproclama-se algo messiânica e tenta convencer o seu amado que será a sua salvadora: "Quando tudo desmoronar-se / Eu serei o teu fogo quando as luzes se apagarem/ Nós seremos duas almas numa cidade fantasma"
No single de estreia Living For Love escutamos uma explosão de tendências musicais vivenciadas nos inícios da década de 90 por uma Madonna loura/platinada, cuja música de dança comercial invadia as tabelas de charts. A sonoridade está toda lá. Uma verdadeira reminiscência clássica dos anos 90, a fazer-nos lembrar as pistas de dança que frequentávamos na adolescência. As referências espirituais de finais da década de 80 quando Madonna lançou Like A Prayer é outra das novidades a ser trazida à baila neste tema com um coro gospel a mesclar-se na batida que vai rodando, freneticamente, enquanto Madonna canta triunfante: “ Viver pelo amor, viver pelo amor/ Eu não irei desistir “
Outro tema que nos soa extremamente autobiográfico e de uma beleza singular é a balada Joan Of Arc. Madonna inicia a sua interpretação em jeito de confissão e acusação pesarosa, revelando-se contra os paparazzi, argumentando que não é impenetrável, e que já passou por muitas intempéries ao longo dos anos. “Sempre admirei a história de Joana D’Arc e o que ela simboliza, a convicção dela. Ainda não cheguei lá nem pretendo ser uma mártir. Todos pensam que eu sou impenetrável e super-humana, e, talvez, isso seja uma verdade incontornável, visto que estou na indústria fonográfica há mais de três décadas.“ afirma a cantora.
Rebel Heart pode não agradar a todas as hostes por ser tão diversificado, mas, é-nos impossível ficarmos indiferentes a catarse psíquica que Madonna faz em Heartbreak City, lamuriando-se por um amor perdido explicitamente, com alguns palavrões à mistura mas uma transparência tal que a nossa alma chora conjuntamente com ela naquele tema tão dilacerante de amor despedaçado e evadido (vocais belíssimos, letra ridiculamente pertinente em jeito de Adele ). Madonna canta enraivecida: “ Fodeste-me , disseste-me que eu era a tua rainha e agora apelas a tua liberdade e ainda tens a lata de dizeres-me que poderemos sempre ser amigos/ Despedaçaste-me por completo, eu amaldiçoei o dia em que te conheci e tudo isto me parece uma grande merda “
Aos 56 anos de idade, Madonna é uma mulher destemida, irreverente, franca e ousada a fazer frente a um mercado Pop obcecado com o culto da juventude. A resposta dela, como sempre, é a perseverança. “Por ter sido marginalizada como mulher num mundo dominado por homens, e por estar inserida numa indústria sexista ou num mundo sexista, eu sempre tive que superar ou resistir a tudo. Acho que nunca consegui viver verdadeiramente tranquila. Como tal, por esse motivo, não digo que foi fácil. Para mim, impor-me, tem sido difícil desde o primeiro dia”.
“Vivo a vida de uma maneira masoquista a escutar o meu pai dizer-me constantemente: “Eu bem te avisei… Eu bem te avisei… Por que é que tu não és como as outras miúdas?”/ E eu disse: ‘Oh pai não, essa não sou assim. E acho que jamais o serei/ Tentei encaixar-me mas essa não era eu sempre desejei mais através da escuridão de alguma forma eu sobrevivi com o meu coração rebelde/ Passei tanto tempo a viver como uma narcisista e a escutar os outros dizer “ olha só para ti, olha bem para ti a seres tão provocadora “/E eu disse “ essa sou mesmo eu, todas as coisas que fiz foram para ser vistas “’. Estas palavras vêm da letra da faixa-título de Rebel Heart. Não importa o que Madonna faça, com quem ela se case, quantos filhos tenha, ou quantos namorados acumule, a verdade é que ela jamais será como as outras mulheres e, por mais que tente, ficou bem evidente no tema Rebel Heart, que Madonna também nunca se reconciliará totalmente com o seu pai pois fortes diferenças de valores e vivências os separam.
Madonna regressou em Rebel Heart a muitas reminiscências da década de 90, nomeadamente, a personificação da sua justa diva: Marylin Monroe
Uma retrospectiva no tempo: Madonna há 21 anos atrás aquando do lançamento de Bedtime Stories e, presentemente, na edição do seu Rebel Heart com 56 anos de idade.
Madonna recusa-se a vergar-se a qualquer convenção relacionada com a arte que ela pratica ou com aquilo que se deve esperar de uma mulher com mais de 50 anos e o seu mais recente álbum é uma prova viva de tal afirmação. Rebel Heart é uma longa meditação, uma introspeção apaixonada e um ato de contrição e de autorreferência acerca da perda do amor e ter de encontrar a razão por entre a escuridão e os momentos mais avassaladores de pânico, dúvidas e incertezas da nossa vida. Musicalmente, é uma aventura em vários opostos e existe tanta diversidade que, decerto, irá agradar tanto aos rebeldes quanto aos mais burgueses, bem como aos corações mais românticos. Rebel Heart é um álbum corajoso, uma homenagem a cultura popular e um manifesto convicto de um coração rebelde que insiste em nos avivar a memória com a premissa irrefutável de que “ não existe melhor cura para as nossas mágoas do que a música pop “ !
Vanessa Paquete 2015 ©
PS: Um especial agradecimento a Helena Coelho que tanta força me deu para que eu abrangesse a temâtica do meu Blog e incidisse a minha escrita em todo e qualquer tema que me apaixone. Daqui a uns dias lá teremos a nossa III entrevista publicada.