Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

COMO É VIVER NUMA ALDEIA E NO CAMPO ? PERGUNTAM-ME VOCÊS!

Sem TítuloRE (2).png

Sábado de sol.

Amanheço extremamente mal-humorada, ao aperceber-me que passaria mais um Sábado sozinha. Mal amanheço, abro a porta da entrada, espreguiço-me, sem tirar o pijama e chinelos, escancaro a porta da garagem e dou de caras com a natureza em bruto; é meio caminho andado para ficar bem-disposta.

Passeio-me por entre as laranjeiras, ainda em pijama! Tenho este péssimo hábito de me embrenhar na fazenda sem roupas apropriadas. O céu tem um azul luzidio, a terra foi lavrada, o limoeiro está a abarrotar de limões enormes de amarelo vivo, a figueira mesmo diante da minha porta está seca (e eu que gosto tanto de apanhar os figos, lavá-los e comê-los), mas não é tempo de figos, não agora. No total, a fazenda possui três figueiras, uma vintena de laranjeiras, macieiras, nespereiras, um limoeiro sob a minha janela, nozes e dióspiros, bem como uma panóplia de fores que começam a desabrochar.

Sem Título106 (2).png

A fazenda onde vivo ( casa alugada, óbvio )

Os vizinhos da aldeia passam por aqui e pedem-nos figos, limões, laranjas, folhas de cacto para fazer chã (dizem que faz bem ao cancro), surripiam-nos rosas no Verão, papoilas, malmequeres. Com educação, quem nos conhece, pede-nos e há quem venha a fazenda, livremente, roubar laranjas e limões (uma ou outra pessoa); sei quem são e não os recrimino porque são pessoas muito necessitadas e com quem simpatizo.

Escrevo este POST sentada mesmo diante da fazenda, a aproveitar cada raio desta luz boa. Como barulho de fundo tenho vários pássaros e os Coldplay. Depois da escrita, vou arrumar a casa pequenina em que vivo, esfregar a garagem toda com um bom banho de água e lixivia. Faço tudo de porta aberta, sem sutiã, com um simples TOP e de calções, que aqui o calor já se faz sentir.

Sem Título104 (2).png

O paraíso dos GATOS

Não é fácil viver numa aldeia!

Vim do Porto, de Leça da Palmeira, de uma vila extremamente privilegiada, cheia de coquetice e onde o campo não se enquadra. Aqui não há metro e os empregos são limitadíssimos (acabamos numa fábrica, na câmara enquanto jardineiros ou lixeiros, a trabalhar em estufas ou em telemarketing), contudo, depois existe a quietude, a paz que a natureza proporciona (apesar da vida judicial e prisional agitada da aldeia).

Habituamo-nos; que podemos fazer?

Nunca me imaginei a viver no campo, a pegar numa enxada, a ouvir rouxinóis matinais, corujas de noite e corvos no alvorecer, nunca me imaginei, mas gosto!

Sou pobre! Resido numa casa terrena com quatro divisões, pequenina, aconchegante, simplista, onde se cozinha de porta aberta para os cheiros se evaporarem , onde se limpa de porta aberta porque é reconfortante sentir o sol a banhar a casa de luz e sente-se uma liberdade infinita em tal atitude, tão diferente de todos os apartamentos em que vivi no Porto e em Leça.

Sem Título100 (2).png

Abro a porta e isto é o que vejp... Gosto de me passear de noite por aqui também (sem medo)

Herdei uma casa no Porto em 2019, curiosamente, e ironicamente, não sei o que fazer com ela. É uma moradia térrea enorme, com terreno, pátio, jardim. Não tinha quaisquer contactos com os meus avós maternos e tal dificulta-me ligar-me a casa, onde se pode ouvir o meu eco…

A casa onde resido na aldeia é alugada e está na posse da pessoa com quem vivo e familiares há uns 40 anos. Vivia aqui uma multitude de famílias. Era um lugar garrido, alegre, barulhento, cheio de burburinho e com muita gente a ir a fazenda que é da senhoria.

O tempo foi passando, toda a gente faleceu, os miúdos cresceram e casaram-se e só cá restamos nós, o que nos dá uma certa liberdade para saltitar na fazenda e viver no campo. Há dias que barafustamos muito. Já tivemos onze gatos a viver aqui alegremente que padeceram no espaço de uma semana. Vi pessoas queridas a morrerem, pessoas a partirem, mas a única coisa constante é sempre as estações que vão e vem.

Sem Título102 (2).png

Se entrar de quarentena nãi há problema : vivo aqui sozinha

Há qualquer coisa neste ar do campo. Gosto de saber que, no final de um dia agitado, tenho um sítio calmo para onde voltar ou no meio da minha inquietude e dos meus altos e baixos de humores possuo um canto onde me refugiar, ir ver o mar ou a serra, se assim me apetecer a 20 minutos apenas de autocarro.

Gosto de ter espaço, de puder chorar e gritar à natureza. Gosto de saber que em meia hora tanto posso estar na confusão de Lisboa como a dar um mergulho no mar de Setúbal e a apreciar a beleza da Serra da Arrábida. É bom saber que em vinte minutos estou em Montemor em Novo e posso dar um saltinho a Évora.

Enquanto vivi no Porto ou em Leça, senti que a ideia que as pessoas tinham do campo era o equivalente a morar no fim do mundo. Lamento desiludir-vos. O campo não me trouxe amarras. Trouxe-me liberdade e qualidade de vida a nível psíquico. O ar é mais puro por aqui. Tudo se cultiva - a comida vem do quintal (do nosso ou dos vizinhos) para o prato. Ainda se cumprimentam as pessoas na rua. Todas, sem exceção, todos os dias! Vai-se ao café, a pastelaria, a papelaria, cumprimenta-se toda a gente. Apanha-se o autocarro e vamos até ao mar, leva-se uma toalha e dá-se um mergulho. Visita-se o mercado onde abunda o peixe e o marisco fresquíssimo, apanhado mesmo em Setúbal ou vindo de Peniche A vida acontece com uma calma diferente. A sensação de segurança é outra. Sentimo-nos protegidos! Aqui não me importo com o que visto, se a fita do cabelo está desfeita, se os ténis são velhos, se estou magra ou gorda…

Sem Título101 (2).png

Sob a minha janela... Todos os dias abro a janela e tenho um limoeiro gigante diante de mim

Aqui ninguém olha para mim; e ainda bem!

Tenho medo do Porto!

Da cidade!

De regressar!

Tenho pavor de Leça, onde tenho de atentar a todos os retoques do meu corpo, do meu cabelo, ao que tenho vestido, a quem eu sou, ao que alcancei ou não alcancei.

Não aposto em me apaixonar novamente; é nisso que penso enquanto fotografo as rosas, as papoilas da fazenda, enquanto apanho laranjas e me sento sob o meu pé de laranja-lima…

Sem Título105 (2).png

Sem Título108 (2).png

Sem Título107 (2).png

Sem Título109 (2).png

Texto & Crítica: Vanessa Paquete 2018  ©

Fotos: Vanessa Paquete ©
Flyers: Vanessa Paquete

Todos os Direitos Reservados

 

2 comentários

Comentar post