Durante meses estive ausente do Blog e deixei o assunto de lado, todavia, é de ressalvar que muita gente fez-me questões acerca do Afonso; como começara o seu vicio, se a reabilitação resultara, como conheci o Afonso etecetera.
Evidentemente, que se vivesse na minha terra mãe, Leça da Palmeira, esta estória jamais teria acontecido nem eu estaria a contá-la.
Bom, vamos lá então…
Para começar – como é habitual – num meio onde residem nem 2000 pessoas, circulam os abominais rumores que o Afonso regressou ao vicio, que não têm a certeza mas… Embora vivamos num sitio onde se visita a prisão como quem vai para Palma de Maiorca de férias, a verdade, é que o Afonso não consegue ter mesmo a empatia das pessoas. A estória ficou-lhe gravada a ferros no pulso. O Afonso desvaloriza, óbvio!
Ontem estava na confeitaria mais requintada, na esplanada, a beber um café e a engatar uma gaja por telefone, portanto, parece-me bom de saúde e recomenda-se. (atestado de metadona, óbvio)
QUEM É O AFONSO ?
O Afonso tem 27 anos presentemente. Cara de malandro e sacana (nem há como disfarçar). O mano querido da minha Ex melhor amiga. Filho de um Ex traficante/ presidiário que foi parar duas vezes a cadeia, por três anos cada sentença, por traficar droga e plantá-la em sua casa (algo extremamente comum no sitio onde resido). O pai do Afonso também consome algo. Sempre consumiu (aparentemente drogas leves e não tão pesadas quanto haxixe, cocaína ou heroína). É um alcoólatra em recuperação (ao qual toda a gente já se acostumou.) É conhecido pela sua agressividade extrema quando bebe, mas é um santo quando está sóbrio. Já agrediu o pai, o próprio Afonso e a sua filha do meio – Mafalda – em plena rua, ou melhor, em frente ao café que pertence ao seu pai (que é dono de metade da aldeia).
O café do seu pai é onde acontecem todos os tumultos possíveis e inimagináveis. Ninguém estranha a conduta do ____________ (nome, pelo qual, o pai do Afonso é conhecido), dado que a taxa de iliteracia, alcoolismo e droga aqui equivale a 30 % da população. O __________ só é mais um no meio de tantos outros!
O Afonso herdou o nome do avô e pouca da sapiência do patriarca da família. Infelizmente, a genética do seu pai recaiu toda nele, contrariamente aos restantes irmãos que – curiosamente – são um modelo de “vivo a minha vida e não chateio ninguém “.
O Afonso começou a consumir drogas aos 18 anos, bem como a beber.
O Afonso sempre esteve dependente de drogas pesadas, mas tudo começou num charro. Foi com um grupo de amigos que ele teve o primeiro contacto com as drogas. A genética , neste caso, deve ter sido uma influencia abismal, bem como o meio circundante. Porém, ha a realçar uma característica do Afonso que este desejava ultrapassar com toda a sua veemência: a timidez !
O Afonso chegou a confessar-me em Leça que amava a heroína mais que tudo na sua vida porque o transformava noutra pessoa e adivinhem ? Pura verdade ! Em reabilitação , eu tinha dificuldades de encontrar a centelha de luz que vira no Afonso, e sob o efeito de heroína ou cocaína ali estava ele, o Afonso que me acarinhou!
Este viria a ser um tópico muito discutido entre mim e o Afonso e entre ele e as suas terapeutas, dado que parecia que eu estava a dizer que o Afonso BRILHAVA sob o efeito de drogas .
Inicialmente, o Afonso fumava aquilo por brincadeira, porque achava algo normal. Tão normal que passou a rotina. Não demorou muito a frequentar os ditos festivais de Verão (tão tipicos aqui no sul) e a ser levado para perto de outro tipo de consumidores, pessoas que cheiravam cocaína e que a fumavam. As pessoas que conhecera estavam ligadas ao mundo da aldeia. Pior, eram seus vizinhos, conhecidos regulares, amigos do seu pai. Parecia que não havia como o Afonso escapar...
Quando o Afonso cheirou cocaína pela I vez ficou tão exaltado, entusiasmado, drogado, que acreditava puder comandar o mundo, tirar a carta de condução, comprar um carro, completar o 9º ano num Curso Tecnico e engatar um montão de gajas. O sangue fervilhava-lhe nas veias, o mundo pertencia-lhe, era jovem e ele uma força da natureza (infelizmente era só o efeito da cocaína no seu sitema nervoso a falar).
Não tardou a chegar a heroína, a droga, capaz de o fazer enfrentar qualquer contratempo e intempérie sem que os seus neurónios explodissem. A droga capaz de o fazer atingir o nirvana. Aquilo que o Afonso pensara nunca poder acontecer, aconteceu. Experimentou duas das drogas mais viciantes que existem, a cocaína e a heroína.
O QUE ME ATRAÍU NO AFONSO ?
Conheci o Afonso tinha ele 20, e eu 34 anos de idade!
Todavia só o conheci realmente aos 25 anos de idade; e o que me atraíu nele ? A leveza ! O assobiar constante, aquela hipersensiblidade aos sentidos, o sorriso fácil, as palavras românticas, cativantes, os beijos na testa, a frescura da juventude, o abraço apertado...
Era praticamente inconcebível associar o Afonso a drogas de cariz pesado. Tinha bom aspecto, defendia a política das boas energias e a Mariana (sua irmã) acreditava que o irmão era budista dado todo o seu anexo estar repleto de budas miniaturas, bem como incensos e velas.
Dado este cenário, absolutamente ninguém suspeitava da adição do Afonso a cocaína e heroína (apesar do passado pesado do seu pai) Não injetava (certifiquei-me de lhe confiscar as veias) Fazia a chinesa (inalação de vapores numa prata ou do pó com um isqueiro a aquecer a prata) !
Aparentemente o que nos cativava no Afonso era a heroína e não o Afonso propriamente... Consumidor assíduo e já absolutamente viciado, foi na droga que Afonso se apoiou para concluir com nota elevada o Curso de Técnico de Noções de Logistica ( do qual não faz qualquer uso nos dias que correm ) e a sua inserção na sociedade, nomeadamente, no meio feminino. Através do Afonso descobri que a heroína diminui sensações negativas, como a dor, o desânimo, a ansiedade e a angústia. A acrescentar a isso a heroína provoca um estado de felicidade, o qual pode durar de duas a cinco horas; (algo que eu desconhecia por completo) !
E o que me atraíu no Afonso ? Volto a perguntar ! Exactamente os efeitos na heroína no seu organismo !
Eu encontrava-me vazia, perdida... Requisitara a ajuda de uma psiquiatra fazia um ano e solicitara um antidepressivo, ansiólitico e calmantes. Só desejava ser acarinhada, cair num abraço lânguido e deixar-me ficar nele durante horas, ser olhada nos olhos e receber um vislumbre de contemplação, um âfago no rosto, o comprimir dos meus dedos face a outro corpo num acto puramente puro e espititual...
E eis, que no meio de uma tragédia pessoal da sua vida, me surge o Afonso aos 25 anos: o abraço mais doce, intemporal, demorado, forte e incomensurável que alguém pode desejar. O Afonso disse as palavras mágicas enquanto me enchia a testa de beijos: “ É tão errado, mas sabe tão bem ! Não consigo acreditar que tens 38 anos, meu Deus. Pareces uma menina de vinte e tais ! “ E ai estavam elas, as tais palavras mágicas, atestadas de heroína e eu sorbi-as como quem inala o pó branco n uma folha de prata.
Era a heroína a falar por ele. Não o Afonso.
No seu corpo, sentiam-se os efeitos químicos e psíquicos tão nocivos a sua vida, na minha alma, apenas os espirituais.
Creio que me tornei uma consumidora passiva de heroína !
E assim fiquei perdida nos braços dele, por tempos infinitos !
Não, não houve beijos na boca, intimidades, desejo sexual…
Foi assim que tudo se iniciou. Candidamente. Como um conto de fadas.
ABENÇOADA HEROÍNA, visto que o Afonso estava bem atestado dela e era romântico sob o efeito desse veneno corrosivo.
Qual egoísta eu sou; não é verdade? Como poderia eu imaginar que aquela faceta do Afonso advinha do consumo de heroína?
Mais tarde, infelizmente, acabaria por presenciar os vários estados destruidores , pelos quais, passa um adicto, desde a privação da droga, a alienação mental, a agressividade, os roubos, a abstinência, a intencionalidade em magoar, a hiperactividade e - por fim - as discussões e o internamento numa clínica de reablitação no Porto !
O Afonso era um miúdo!
Era um mosquito de tão insignificante que passava ante os nossos olhos, como uma corrente de ar. A Mariana desculpava-o sempre, referindo o quão tímido ele era ante o sexo feminino. Eu sentia sempre o seu constrangimento quando me cumprimentava.
Existia uma verdadeira timidez nele. Uma incapacidade de estar diante de uma mulher. Eu, que possuíra uma vintena de namorados, ficava sempre intrigada com aquele comportamento. Só Deus sabe como eu estava longe de conceber que, anos mais tarde, ele partir-me-ia o coração e eu cairia a seus pés. A vida e as suas improbabilidades!
Durante anos foi assim…. Entrava em casa da Mariana, cumprimentava com um beijo e fugia. Cheguei a questionar a irmã: “Passa-se algo com o teu irmão? “ . No cumprimento do beijo e na vibração da voz havia algo que o meu amago não conseguia decifrar.
O Afonso era um toxicodependente !
TO BE CONTINUED
Texto: Vanessa Paquete 2019 ©
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