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FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

CARTA PARA TI/ MINHA HEROÍNA, MINHA COCAÍNA... MEU VICIO AMADO; MINHA VIDA & MINHA SINA / PARTE IV

 

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Afonso, quando soube que virias cá calculei que fosse a última vez!

 

Havia um turbilhão de sentimentos e ideias a atormentarem-me a mente; apenas sentia e sabia que o meu último sorriso de beleza te fora concedido a ti, o meu último riso fora-te oferecido a ti, a minha última parte de inocência partia toda contigo.

 

Sentia-me a morrer desde novembro, mas fora sobrevivendo: nem eu própria sabia como!

 

Perdoara-te mil vezes as mentiras, a negação, o consumo de heroína, as condutas maquiavélicas, a manipulação (bastava sorrires para conseguires tudo de mim). No fundo, tu tornaras-te no meu maior perigo, caso, este não fosse travado por alguém… Todavia, a vida é sempre gentil comigo e fez com que – abruptamente – fossemos afastados, mas lá voltavas tu, uma, outra e outra vez. E eu, sem um grande sentido para dar à minha vida, e com uma capacidade inesgotável de dar-te atenção ao mínimo movimento, ao mais ínfimo sinal, lá te abria os meus braços e coração de novo e escutava-te sempre.

 

Sob efeito de heroína ou não (creio que mais sem o efeito da heroína) dizias-me sempre: “Os teus olhos estão a brilhar tanto “. Uma frase simples/banal no meio do silêncio que dizia tanto e me fazia corar, sem conseguir argumentar a seguir. Disseste-ma sempre que nos víamos.

 

Ver-te não era fácil.

 

Era-me prejudicial.

 

Admitiste teres-te apaixonado por mim, quando ainda consumias heroína (e não foram esses os nossos melhores momentos?) mas depois retraíras-te. Eu retraíra-me. Ambos andávamos perdidos à deriva. Eu a precisar de um meio de sobrevivência na minha vida e tu a precisares urgentemente de uma intervenção química e psíquica para deixares de consumir heroína duas/três vezes ao dia.

 

Nós não precisávamos de um amor de perdição Afonso, mas sim de ajuda médica!

 

Eu era detentora de uma biblioteca e cultura invejável. Tu vivias numa garagem feita anexo (chegaras a viver na rua aquando do roubo das joias a tua família). Eu crescera em Leça. Tu cresceras num meio proeminente em droga. Vendia-la em casa. Comercializava-la em casa e bastava saíres e dobrar a esquina para alguém te ceder cocaína ou heroína.

 

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Durante toda a tua reabilitação eu estive lá para ti, num daqueles gestos de prova viva de paixão.

 

Muitas das vezes, dava por mim a pensar, que obviamente, mais cedo ou mais tarde, alguém como tu iria aparecer na minha vida. Tivera uma série de amores; uns melhores, outros piores. Recordo-os a todos com uma grande ternura e estima. Foram tantos e – por vezes – tantas lágrimas e desilusões que foram derramadas, porém, todos superados.

 

Lembraste do que me disseste? “ A última vez que sair da clinica e for aí será mesmo a última vez “ Quando regressaste lembro-me de haver um misto de emoções; não queria estar contigo; não queria ver-te a partir para Madrid (já vira um a partir para França); não queria mais escutar as tuas histórias; não queria mais ouvir a tua voz, não queria abraços de adeus ou despedidas ;tu mostraras seres a minha ruína; o meu maior descontrolo a nível psíquico.

 

Tu rejubilavas por estares a conseguir a reabilitação completa e eu sentia-me confusa: O Afonso sóbrio era bastante diferente do Afonso ébrio e – ironicamente – eu apreciava mais o Afonso com heroína (algo que seria um longo tema de discussão e conversa entre nós)… Consumias desde os dezoito anos, portanto, eu só conhecia um Afonso: o Afonso C/cocaína e heroína e foi esse Afonso que me cobriu a testa de beijos, me fazia suspirar em cada abraço e me sustinha nos seus braços minutos a fio de encontro ao seu peito. Esse mesmo Afonso sob o efeito da heroína tinha lucidez para abordar a temática da minha vida, os meus dilemas existenciais. Recordaste quando me perguntavas: “Como está essa cabecinha hoje? Sem ideias loucas?” Por vezes, parecias tu mais lúcido do que eu: principalmente quando se abordava a temática da vida versus morte!

 

O Afonso sóbrio estava cheio de metadona, xanax e mais outras substâncias: existia uma bipolaridade em ti latente. Eu sei que a heroína causava euforia e depois disforia, daí – por vezes – te apanhar tão calmo, relaxado e a desejar somente conceder amor.

 

Seria dificil de acreditar que a nossa primeira grande discussão tinha-me feito ter um surto de loucura horrível com direito a invasão de propriedade, roubo de droga, prata para fazer a chinesa, documentação privada: tudo o que te era querido. Seria dificil de acreditar que - naquele dia - quando tentaste recuperar tudo junto de mim estavas alcoolizado, tinhas uma dose de heroína em cima e - no zénite dos nervos - ao invés de me agredires a mim, agredites-te a ti próprio. A droga surtiu um efeito terrível em ti e eu - num estado de passividade e alienação - vi o sangue jorrar da tua cabeça copiosamente; um lanho horrendo que infligiras a ti próprio... Gritavas a plenos pulmões " Dá-me os meus documentos! "  Eu só queria acalmar-te, pedir-te para sossegares :

 

-  Xiuuu, por favor, por favor Afonso , tenta acalmar-te, vamos falar, sou tua amiga, por favor Afonso, deixa-me ajudar-te, por favor Afonso, eu gosto de ti, eu gosto de ti, eu gosto de ti... " dizia o meu coração em surdina, envolto numa nuvem cinzenta de silêncio pois o Renato chamou a polícia.

 

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Foste obrigado a ser revistado, dado o teu estado de total ebriedade. Do lado esquerdo da testa continuava a jorrar o sangue. Acusaste-me de frieza, de ser uma boa atriz tal era a minha passividade. Não conseguia reagir. Não sabia o que dizer. Depois daquela noite acreditei que nunca mais te veria ou ouviria a tua voz: estava enganada ! Pela primeira vez na vida, depois de tantas relações, havia um que voltava a mim, uma, outra e outra vez, após termos atravessado o cabo das tormentas.

 

Tínhamos uma capacidade impressionante de regressar um ao outro e abordarmos o que se havia passado; confessavamos  os nossos pecados e momentos de criancise e delírio. Naquela noite, pegaste no carro e foste ao BBV, completamente ensanguentado buscar mais umas doses de heroína. Disseste-me: " Eu nunca soube lidar com nada sem droga e tu consegues colocar um homem de cabeça perdida. Os dias seguintes foram mergulhados em várias substâncias; tudo para aplacar o que me havias feito ! "

 

Senti-me tão culpada, Afonso!

 

Tu apareceste-me a frente oito meses após a nossa primeira grande discussão, orgulhosamente sóbrio!

 

Não vou negar que existia um brilho resplandecente no teu olhar e uma felicidade genuína em me veres (talvez reconhecesses que efetivamente eu estivera lá para ti) Abraçaste-me com muita força e longamente. Eu estava gélida, apreensiva, numa tristeza profunda e com um total desinteresse pela vida. Há muito que te via como um caso impossível e – como tal – regressara a minha melancolia depressiva, ainda mais, agravada com a morte da minha avó.: caí no teu colo, lavada em lágrimas a soluçar : “ Afonso… “

 

Deixara-me cair numa tristeza sem igual desde que me haviam arrancado da minha cidade invicta em setembro de 2017, apenas tu, durante uns meses, me havias conseguido desenterrar do lamaçal aonde eu vivia. Dissera-te por mais do que uma vez: “Serás a minha última loucura! “Estava eu longe de imaginar que, meses mais tarde, as más línguas iriam começar a fazer eco das minhas atitudes desesperadas e disparatadas em relação a ti que em nada condiziam com a minha índole e que iriam valer-me o cognome de “Vanessa, a louca “e – desta feita – um cognome justamente apelidado após a minha guerra hispânica com a tua família.

 

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Sempre me disseram que tu não valias nada; que eras imaturo; que não possuías caracter ou nobreza. Nobreza eu acredito que aqui ninguém a possua, mas, apesar dos assaltos, do roubo das joias, do ataque inesperado a um fornecedor que o deixou inconsciente e a beira da morte no hospital e a ti te valeu quatro anos de pena suspensa, a verdade é que nunca te temi e foram tantas as vezes que nos enfrentamos peito a peito, mas do nosso confronto surgia uma suave provocação, um olhos nos olhos feroz, um braço de ferro psíquico, com um ligeiro esgar de malicia, malandrice e doce perigo. Nunca me ocorria que puseras alguém no hospital. Não conseguia imaginar tal… Tu tentavas intimidar-me, mas nem o mais ríspido dos teus olhares me demovia… Eu já sabia o que vinha a seguir… caída nos teus braços: “Por favor não fales, não digas nada. Já passou “, dizias-me tu, com aquele teu jeito de menino. E parecia que entre nós, dois loucos, completamente alienados da realidade e afogados num rio de emoções tempestuosas, realmente existia a capacidade de ESQUECER & PERDOAR.

 

Vi-te a deambular algumas vezes como um cadáver pelas ruas. Na tua família ninguém parecia importar-se ou saber o que fazer: ignorar parecia ser a melhor opção! De cada vez que te via apático ou a deambular, eu, com uma mente muito lúcida e calorosamente, tentava despertar alguma emoção em ti.

 

Sentia-me forte a ajudar-te.

 

Tu despertavas em mim tanta coisa: a criança há muito perdida; a mulher forte e indestrutível, a guerreira que se jogava contra tudo e todos para chegar até ti (e daí adveio a tal guerra hispânica memorável e injustamente não-eternizada num vídeo que faria as redes sociais tornarem-no viral) …

 

Terá sido assim que a padeira de Aljubarrota correu com os espanhóis?!

 

Regresso a ti apesar do meu orgulho / Recitando os gestos e as palavras que eu perdi
E regresso a ti devido ao silêncio que existe em mim / E regresso a ti contra o vento que existe
Para respirar fora dessa inquietude / Para reencontrar as tuas mãos fortes sobre mim
E eu não me sentir sempre assim tão frágil / Diz-me apenas se estás aí / E eu regresso a ti

 

Laura Pausini Lyrics & Copyright

 

TO BE CONTINUED

 

Texto: Vanessa Paquete 2018 ©

Situação Verídica: Todos os Direitos de Autor Pertencem-me ©

Fotos Principais: Todos os Direitos de Autor Pertencem aos Respetivos Fotógrafos ©