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FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

FIFTY SHADES OF VANESSA PAQUETE

MINHA HEROÍNA, MINHA COCAÍNA... MEU VICIO AMADO; MINHA VIDA & MINHA SINA / PARTE II

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Há muito que a toxicodependência já não é a preocupação número um dos portugueses. Mas 18 anos depois da intervenção no Casal Ventoso e da generalização dos programas de substituição com metadona persiste o consumo de rua de heroína e - sobretudo - cocaína, fumadas e injetadas. O número dos que consomem na rua terá até aumentado desde 2013, levando a autarquia a relançar a discussão sobre salas de consumo assistido - previstas na lei desde 2001.

 

Existe, ainda, quem acredite que consumir heroína é um mal menor, como se equiparasse tal acto ao consumo da nicotina.

 

Gostar de alguém assim dá trabalho. Causa-nos euforia & disforia. A instabilidade existencial é uma constante na vida dessa pessoa que avança sobre nós que nem um comboio, por vezes, e outras, ele próprio guia a sua vida como um alfa pendular, sempre a 200 KMS a hora. É impossível por-lhe freio, trava-lo ... Mas quem comanda as N/emoções;certo? A heroína junta amizades, é um catalisador de fuga, uma injeção de adrenalina & bem estar, a qual, dificilmente se foge de ânimo leve...A sensação de bem-estar é intensa, equiparada a um orgasmo, visto que atua exatamente como um ato sexual, libertando dopamina... Se pensarmos nisso; conseguem imaginar o quão fascinante deve ser obter um orgasmo por dia e libertar toda e qualquer preocupação & stress  ? A heroína é isso ! Energia, adrenalina, extâse; contagia, verga-nos, faz-nos ansiar por mais, cada vez mais a medida que sorbemos aquela sensação de bem estar interior... Gostar de alguém assim dá trabalho mas TAMBÉM vicia e tolda-nos os sentidos... O bem-estar da heroína aliena-nos mas também nos contagia, excita...

 

E sair não é fácil... Nada fácil...

 

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DIOGO

 

É uma espécie de corredor: de um lado um muro que sustem a encosta que foi do Casal Ventoso, do outro um prédio. Dez metros de comprido, talvez, por dois de largura. No chão, a erva muito verde é um puzzle de embalagens de kits de injeção, colheres e frasquinhos da água destilada usados para fazer o caldo, preservativos intactos na embalagem. Seringas não, porém. Porquê, Diogo exemplifica. Um metro e oitenta, rosto liso, agradável, roupa normal, sorriso - víssemo-lo noutro lugar e jamais suspeitaríamos - abre a mochila mal vê as técnicas da equipa de rua e o contentor de plástico amarelo e encarnado e tira dois sacos cheios de seringas usadas. Em troca, recebe uma mão-cheia de kits. Pede mais: "Pode ser?" Claro, respondem as raparigas. E preservativos, queres, perguntam. A resposta é uma gargalhada amarga: "Não, tenho muitos, obrigada."

 

Apresentados os repórteres, Diogo acede a falar um pouco, não muito porque tem pressa. Faz o retrato: 35 anos, a usar desde os 22. Começou pela cocaína; "snifada", depois fumada. Agora está no speedball, que é a injeção de heroína e cocaína misturadas. Gasta cinco euros por dia - "É o mínimo." Está desempregado mas, anuncia, começa a trabalhar na semana que vem (a que passou, neste caso), como manobrador de máquinas. Manobrador de máquinas? Não é um bocado incompatível com estas drogas? Sorri com bonomia: "Quando trabalho não consumo."

 

Acede a dar o número de telefone, pede licença educadamente e vai até ao fundo do corredor. A pressa era esta. Agacha-se, de costas para a assistência, prepara a injeção, sobe a manga do casaco. Fica ali muito tempo, naquele canto sem sol neste dia gelado que a meteorologia garante ser, até agora, o mais frio do inverno.

 

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CARLOS

 

De todos os locais do giro habitual das equipas de rua da Associação Crescer na Maior - a que pertencem Inês e Andreia -, esta zona, identificada como "Campo de Ourique/Casal Ventoso", é aquela em que nos primeiros seis meses de 2017 foram identificados mais consumidores de rua: 268. É também a recordista da entrega de "pratas", usadas para fumar heroína. Precisamente o que se encontra aqui perto, ao fundo de uma rampa, passado um portão arrombado, numa espécie de túnel sob os prédios. Quem chega da luz leva tempo a perceber que no breu, entre montes de lixo, estão dois homens. Um com 33, outro de 52 anos. O de 33 rejeita conversas: "Só se me orientarem alguma coisa, porque o tempo que perco a falar com vocês posso estar a orientar-me."

 

O outro começa por dizer o mesmo mas vai falando. Consome desde os 22, "com paragens", e é funcionário público. "Em três anos de trabalho nunca faltei", garante. "Mas estive de baixa e recaí e agora tenho vergonha de ir trabalhar, por causa do meu parecer. Se me vissem há um mês nem me conheciam." Muito magro, rosto sulcado, Carlos - chamemos-lhe assim, pediu para não ser identificado - sente-se sem coragem para aparecer assim aos colegas. "Todos os dias digo que amanhã vou." Mas não vai. Nem a casa, a maior parte das vezes: dorme no carro, na zona de Alcântara. As técnicas propõem-lhe ir para um albergue, combinam o dia e a hora para a entrevista - os albergues têm condições de acesso, não basta aparecer, e com o frio têm estado muito cheios. Carlos diz que sim, que vai.

 

Ele e o outro homem pedem a prata - um bocado de folha de inox, de rolo de cozinha - para fazer a chinesa (que consiste em colocar a heroína em pó sobre a prata, aquecê-la com um isqueiro, até liquefazer, e aspirar o fumo com um canudo). No fim, a prata usada há de juntar-se a outras, no chão. Carlos, ironia, trabalha - quando trabalha - na recolha de resíduos. Mas aqui ninguém recolhe nada, além das seringas usadas. Que ele nunca usou: "Nunca piquei, não gosto. Só fumo. Comecei na cocaína mas agora estou a usar heroína." São três da tarde e já gastou 70 euros. Como os arranjou? "Acha que lhe vou dizer o que fiz hoje? Não matei ninguém. E já chega, está bem?" Só para terminar: gostava de ter um local para consumir com mais condições? "Gostava era de sair desta merda."

 

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FRANCISCO

 

Chegam mais clientes da "prata". Inês e Andreia já deram toda a que tinham e também já não têm kits - Diogo ficou com quase todos.

 

Não é, pelo menos hoje, o caso de Francisco. Não vem a procura do pó castanho ou do pó branco. Francisco é mesmo o nome dele, faz questão: "Pode meter o meu nome. Não tenho vergonha do meu passado. Tenho é vergonha do meu presente." Veio de carro com dois amigos comprar haxixe, na parte de baixo da encosta do Casal Ventoso, e quando veem os coletes fosforescentes de Andreia e Inês aproximam-se. E querem kits e estão com pressa, têm de ir "à metadona" e além disso, diz, "temos substâncias ilícitas no carro, pode aparecer a polícia e não nos convém". Normalmente, explica depois, numa longa conversa telefónica, consome em casa, em São Domingos de Rana. "Há crianças na rua. E as outras pessoas se não consumirem não têm de estar a levar connosco. Mas já me aconteceu consumir na rua, porque estava aflito [a ressacar] e tem de ser naquele momento." Por esse motivo, sobretudo para proteger quem não consome, achava bem que houvesse locais próprios para consumo. "Até porque a polícia de vez em quando vai aos sítios onde as pessoas estão escondidas a consumir e enxota-as. Isso serve para quê? Não percebo."

 

Como Diogo, não tem qualquer sinal exterior do seu fado. Rapaz bonito, até, o que faz compreender as histórias que conta sobre as namoradas à bulha quando andava no liceu (só foi até ao nono ano). Agora, porém, não tem namorada. "Não há mulher que aguente. Ninguém aguenta. A minha última até era psicóloga mas nem ela conseguiu. É a gente e a droga e mais nada." Suspira. "Eu era contra as drogas, contra tudo isto. Fui desportista, campeão de atletismo de longa distância. Agora é como se a vida não fizesse sentido sem a droga. São muitos anos disto, a cabeça acaba por desaprender o criar sentido."

 

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A lucidez de Francisco parece uma contradição: se sabe tão bem o que se passa com ele, como é que não consegue dar a volta? "É como uma depressão. Tem de se conseguir sair do buraco. Às vezes parece que só me apetece morrer, é uma coisa um bocado estúpida. E quando consumo esse sentimento desaparece." Ah, isso: e se toda a gente precisasse de criar um sentido, e se toda a gente caminhasse, funâmbula, sobre o vazio, sabendo que o truque é nunca olhar para baixo? Francisco não sabe dos outros. Para ele foi a morte da mãe, há sete anos, a tirar-lhe o chão. "Ela deixou-me algum dinheiro e acabei por gastar tudo. Já só tenho a casa. Consegui parar de consumir, estive numa comunidade em que nos punham a trabalhar o tempo todo e não pensava em mais nada. Mas precisava que me ensinassem o que a minha cabeça tem de pensar. A ter vontade de viver. Isto não é vida, caramba. Há pessoas que gostam mesmo disto, que não querem sair. Eu quero."

 

Toma todos os dias a chamada metadona de baixo limiar ("baixo limiar de exigência", ou seja, que não exige abstinência ou cessação de consumos), ministrada em carrinhas - "Tem de ser, senão começo a ressacar, e a ressaca da metadona é muito má." E consome, diz, duas a três vezes por semana. "Muita gente sai da heroína, mete-se na metadona e deixa de consumir heroína porque não faz nada [ou seja: a metadona, também opiácea, bloqueia o efeito da heroína] e começa a consumir cocaína. É o meu caso. Comecei por fumar mas neste momento pico." Gasta "às vezes trinta, às vezes quarenta, outras vezes dez euros." O grama (que no jargão é sempre "a grama") de cocaína, como o de heroína, custa entre 40 e 50 e Francisco, que vive com um irmão de 36 anos e também consumidor, não tem neste momento rendimentos. Como faz? A resposta é vaga, como quase sempre que nesta reportagem se pergunta de onde vem o dinheiro. "Vou fazendo biscates e trabalhos que ninguém quer. Estou desempregado desde que recaí, a droga não condiz muito com o trabalho. Tinha estabilizado mas não conseguia arranjar trabalho. A gente arranja sempre uma desculpa."

 

 

MINHA HEROÍNA, MINHA COCAÍNA... MEU VICIO AMADO; MINHA VIDA & MINHA SINA / PARTE I

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Fui criada em Leça da Palmeira…

 

Nascida no Porto, mas Leceira de gema.

 

Em Leça, todos sabíamos, já desde tenra idade que objetivos alcançar na vida; vila primorosa, alegre, otimista, ladeada por praias sadias e os seus surfistas de cabelos louros e corpos morenos; vila de pessoas ambiciosas, inteligentes, provenientes de boas famílias a ostentar dinheiro. Secundária eximia, sem problemas danosos a relatar: o verdadeiro protótipo de uma Beverly Hill! A nossa maior guerrilha, porventura, seriam as roupas de marca que ostensivamente usávamos numa disputa acesa de quem se vestiria melhor, e, se não estávamos num Runaway Project, era certo e sabido que estaríamos a disputar o galã da escola.

 

Em Leça, ninguém sairia da Secundária sem concluir o 12º ano de Escolaridade, tampouco, sem um projeto de vida definido que incluía uma licenciatura, quiçá um Mestrado, um emprego estável e gabaroso, a edificação de um projeto empresarial e, claro, a constituição de uma família.

 

Fomos incentivados a fomentar a nossa cultura, a alargar horizontes e a viajar pelo mundo fora numa demanda de sorver tudo o que a vida nos podia oferecer. Sabíamos exatamente o que era certo e errado. A maior parte dos Leceiros interessaram-se por politica e participaram nas coligações ativamente após abandonar o Secundário. O projeto de vida estava afixado numa parede no quarto com todos os itens a serem seguidos; não havia como falhar!

 

E eles não falharam…

 

E quando falo neles, evidentemente, foco os meus colegas de Preparatória e Secundária: CEO de empresas, advogados, arquitetos, médicos, enfermeiros, professores, alguns juízes, músicos, outros contabilistas, engenheiros e por aí fora, eles não falharam.

 

Vícios? Os socialmente aceites! Tabaco e uma bebedeira entre amigos!

 

Quando calhei numa povoação com cerca de 1000 habitantes onde a Escolaridade mínima era o 9º Ano de Escolaridade e trabalhar como Caixa de Supermercado ou na Fábrica mais próxima na linha de montagem já era um emprego de gabarito e ser Operadora de Telemarketing o sonho Americano, estranhei, ÓBVIO!

 

Foi desconcertante!

 

Errático!

 

Pesado!

 

Assustador!

 

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Não obstante tal flagelo cultural, impus uma série de formações a mim própria na cidade mais próxima (a 6 Euros de Bus) e conclui mais uma série de cursos, ministrados por formadores coquetes lisboetas, também eles frustrados por terem sido atirados para uma Instituição onde a saída poderiam deparar-se com uma rixa entre etnias (por vezes, julguei estar a viver o filme “Dangerous Minds”).

 

Na povoação de 1000 habitantes, os mais velhos instituíram o comércio local e os mais novos ambicionam secretamente fugir, portanto, quando uma miúda do Porto se instalou num povoado tal pequeno, vinda da grande cidade Invicta (que muitos deles tampouco conhecem, mas sonham conhecer, um dia), a estranheza foi total!

 

Silenciosa, mas de olhar incisivo. Frustrada, mas de caracter forte. Débil e fragilizada, mas de transparência dúbia, eu era um mistério a ser decifrado. O olhar era tão forte, incisivo e observador e o caracter tão tripeiro, que muitos julgaram estar na presença de uma informadora da PJ infiltrada, algo que me arranca largas gargalhadas até hoje, dado que lá me recordo eu de mais um filme: “The Departed”!

 

Foi lançado um alerta para se ter extremo cuidado redobrado comigo e não se fazer confissões intimas e pessoais acerca de históricos familiares e afins na minha presença…

 

A meu constante apelo a GNR efetivamente e a minha veia tripeira convincente de conseguir fazer com que me seguissem para resolver tal caso as tantas da madrugada, só fez com que o cunho de “infiltrada” da PJ se cimentasse…

 

A minha natural empatia por quem não devia veio agravar o caso, dado que, efetivamente, ali havia narcos, todavia, e, curiosamente, foi empatia pura e visceral que permanece até hoje e até só aumentou…

 

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A cada morte (suicídio) que se sucedia neste povoado de jovens mais novos que eu, comecei a reviver um pouco “Twin Peaks “: Laura Palmer morrera à custa de drogas (para quem bem se recorda da estória). Miúda linda, aluna eximia, todavia, perdida no mundo das drogas e no seu abstrato onírico onde o sexo tomou também conta da sua vida e drogas como a heroína e a cocaína imperavam…

 

Uma perguntava que ficava no ar era sempre a do porquê do suicídio por enforcamento; o que teria levado tal pessoa a cometer tal ato? Desemprego? Drogas? Vazio existencial? Quando visito o cemitério assombrado por suicidas, mortes por overdose e um ou outro assassinato, diante da campa dos suicidas benzo-me ostensivamente e questiono: porquê? Como se as almas daqueles que conheci me fossem responder a alguma pergunta. Uma coisa é certa; tremo da cabeça aos pés e questiono-me quem seguir-se-á e vem-me um nome a cabeça e fico duramente angustiada ! Depois desse nome, desenha-se o meu próprio nome na minha mente : como irei eu sobreviver a esta vida e a este povoado?

 

A morte de uma popular loura de olhos azuis angelicais (Laura Palmer), foi o mote para aquela que até hoje é uma série de culto. Laura aparece morta no rio de uma pequena povoação (Twin Peaks) onde residia.A estória centra-se na investigação do agente do FBI Dale Cooper acerca da morte da jovem. A série tornou-se tão popular que arrecadou 14 nomeações nos Emmys Awards de 1990. Com o diário de Laura Palmer , ficamos a saber que a pequena povoação de Twin Peaks gira em torno de droga, sexo e afins... Laura é viciada em heroina e cocaína, tal como o rapaz que ama e aqueles com quem se envolve. A misteriosa morte de Laura Palmer, a música tema de Angelo Badalamenti, assim como a forma como cada habitante de Twin Peaks estava envolvido com a morte de Laura , ajudaram a segurar o suspense, a tensão e a série a ter uma 1ª temporada aclamada pelo público e crítica até os dias atuais.

 

 

 

No dia dos fieis tropecei em todas as campas!

 

Nauseada e com as pernas trôpegas, coração a palpitar, cabeça a latejar e olhos marejados de lágrimas, só queria fugir daquele lugar. Pior que viver naquele povoado, era ter de ir ao seu cemitério a um quilómetro a pé de distância e deparar-me com pessoas tão jovens que haviam partido deste mundo de um modo tão tétrico e macabro: enforcamento! A uma dada altura, tropecei na campa de um homem assassinado, cujo julgamento vou assistir no final do mês como acompanhante da esposa de quem o assassinou. A reação foi instintiva. Quatro passos para trás, lívida e apavorada, não fosse o defunto agarrar-me nos pés e engolir-me para dentro do seu caixão.

 

Ainda não vira a sua foto, nem quis ver…

 

Instintivamente fugi. O choque foi imediato. Encharquei a cara com água fresca. Só me apetecia vomitar. Regressei, meia a cambalear a campa que fora lá visitar e deparei-me com alguém cujo rosto estava escondido por um capuz. Sabia que ele estava de ressaca. O seu semblante pesado, fechado, olhos encovados e olheiras arroxeadas a adornar a face denunciavam a ressaca e a falta de heroína no seu organismo.

 

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Começou a chorar assim que se deparou com a campa da sua mãe, falecida há um mês, e a campa do amigo enforcado… abandonei o cemitério nauseada a implorar por Leça da Palmeira. Cá fora, coloquei a cabeça entre os joelhos, ainda tinha de percorrer um quilómetro até chegar ao monte onde resido. Fui acompanhada pelo rapaz do capuz e os seus familiares. Ele estava triste. Oscilante nos humores. Irritadiço. Desejava apanhar o próximo bus para ir à cidade. Subitamente, lembramo-nos que era feriado e que tudo era escasso (os transportes, acima de tudo) … questionei-me se iria à cidade buscar heroína. Era o mais certo! Aprendi a conhecer de cor e salteado as horas que consumia e o que tomava para substituir a abstinência fatal da droga no organismo.

 

Nunca sabia quando estava sob o efeito da buprenorfina ou da heroína…

 

Mas também aprendi a conhecer a sua rotina de jogos de consumo e abstinência.

 

Por vezes, olhava-o intensamente olhos nos olhos só para tentar tirar alguma ilação daquele olhar que me queimava, a dadas alturas, e, noutras, implorava perdão e mendigava desculpas… No caminho para casa quis certificar-me que ainda conservava no seu pulso, agora completamente emagrecido, a pulseira que lhe trouxera do santuário de Fátima, benzida, abençoada e re-benzida mil vezes entre preces minhas, rosários e aves-marias.

 

Desde que a colocara no pulso nunca a tirara, como amuleto de proteção!

 

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Fui criada em Leça da Palmeira…

 

Nascida no Porto, mas Leceira de gema.

 

Em Leça, todos sabíamos, já desde tenra idade que objetivos alcançar na vida; todos menos eu, corrijo!

 

Viver entre suicídios, assassinatos, heroína, cocaína, venda de droga ostensiva, trafico & afins é algo que a nossa mente aprende a apreender como algo tão comumente natural/ tão pouco contranatura que até nos fica o cheiro entranhado no cabelo, e o vicio daqueles, com quem convivemos, tatuado na pele, ao ponto, de incorrermos no risco de nos envolvermos demasiado porque as emoções não se controlam e o nosso pobre coração não sabe distinguir pó branco de pó castanho, tampouco saboreá-lo, tudo o que o nosso coração sabe fazer é pulsar, bombear sangue e sentir (angústia, aperto, preocupação, ansiedade, euforia, disforia e até saudades) !

 

Não sou CEO de uma empresa, advogada, arquiteta, médica, enfermeira, professora ou o que quer que seja.

 

Nem sei bem ao que vim.

 

Onde estou. O que faço.

 

Mas com 38 anos de idade, finalmente, compreendi que, muitas das vezes, se consome para se entrar no mundo alienado do “outro”, para se estar mais próximo dele, para ser seu semelhante e falar a sua linguagem, sim, porque uma pessoa sóbria e um viciado não falam a mesma linguagem, a não ser a corporal. Intelectualmente, vivem em mundos antagónicos, distintos e difíceis de se compatibilizar…

 

Quando calhei nesta povoação com cerca de 1000 habitantes onde a Escolaridade mínima era o 9º Ano de Escolaridade e trabalhar como Caixa de Supermercado ou na Fábrica mais próxima na linha de montagem já era um emprego de gabarito e ser Operadora de Telemarketing o sonho Americano, estranhei, ÓBVIO!

 

Foi desconcertante!

 

Errático!

 

Pesado!

 

Assustador…

 

Que saudades de casa!

 

Texto: Vanessa Paquete 2018 ©

Situação Verídica: Todos os Direitos de Autor Pertencem-me ©

Fotos Principais: Todos os Direitos de Autor Pertencem aos Respetivos Fotógrafos ©

 

 

CHEGUEI AOS 38 ANOS SEM FILHOS, SEM TER TIDO UMA RELAÇÃO ESTÁVEL/DURADORA E SEM CRIAR UMA FAMILIA...

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Cheguei aos 38 anos sem filhos, sem ter tido uma relação estável/duradora e sem criar uma família.


Poder-se-ia dizer que me dediquei a minha vida profissional, mas tal, também não é o caso.


Mudei abruptamente a minha existência aos 33 anos de idade; abdiquei da minha liberdade, da minha profissão & emprego porque – ironicamente – conseguira atingir uma independência já bastante bem cimentada (com muito suor & esforço em cinco anos de vivência a solo), mas, padecia do mal da solidão.


Sempre fui uma pessoa que rapidamente se apercebeu que tinha uma personalidade forte, que em circunstâncias de perigo extremo arriscava a atirar-se no abismo…

 

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Não existia prisão que me retivesse. Namorado que me conseguisse quebrar por completo. Familiares que me magoassem. Ao longo dos anos havia conseguido forjar muito bem uma redoma em torno de mim, um sitio tão bem protegido que nem o mais astuto cavaleiro conseguiria entrar.


Sim, é verdade, sofri, como todas as outras mulheres, quando as relações não davam certo; ficava agoniada, padecia da ressaca das saudades, chorava, descabelava-me… perdi amizades ao longo dos anos que a vida foi separando. Aprendi que um homem viver sozinho era comummente aceitável, mas uma mulher partilhar um apartamento ou pagar o seu quarto alugado – ainda era – pasmem-se, quase um escândalo e sinónimo de vida errante.

 

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Mais que tudo, eu era uma apaixonada pela minha liberdade e pela “dita indiferença “de não ter de prestar contas a ninguém ou dar justificações a quem quer que fosse. Havia criado, já desde a adolescência, um gigante fosso entre mim e os meus parentes que – na realidade – eram tão escassos que poderíamos resumi-los ao meu pai, com quem nunca tive intimidade ou uma relação afetiva.


Os meus avôs criaram-me, mas acabamos por ser afastados, e a minha própria avó tomou a decisão, quando eu tinha quinze anos, de ir viver para uma outra cidade. Reduzida a uma madrasta que me detestava, as suas filhas, a dois meios irmãos e a um pai distante & invisível, aprendi a assimilar tudo sozinha. A cometer os erros sozinha. A tomar decisões sozinha. É-me muito difícil de explicar, mas era quase como um animal que detinha um instinto de sobrevivência muito aguçado.

 

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Os meus olhos eram como os olhos de um lince; viam para além da alma e das aparências.


O meu toque era como o de um animal esfomeado (ainda hoje o é), mas, em simultâneo, também detinha um toque macio, quente, visceral, um daqueles toques que deseja cuidar e reter.


O meu despreendimento ajudou-me a passar por fases muito desagradáveis na minha vida. Sem esse tal despreendimento jamais teria conseguido enfrentar a solidão, jamais teria conseguido sair de casa sem olhar para trás, jamais teria conseguido fazer escolhas, acarretar as suas consequências, chora-las, lamenta-las, etecetera.


O que talvez explique que seja – naturalmente – uma mulher de 38 anos muito diferente das restantes.

 

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Uma mulher de 38 anos…


Todo a gente espera muito de uma mulher de 38 anos.


Que ela seja forte, determinada, bem resolvida consigo própria. Deve estar em ótima forma, ser boa mãe e uma profissional bem-sucedida. Uma mulher de 38 anos deve ficar deslumbrante de batom vermelho caber num vestido de cetim colado ao corpo. E se ela não for nada disso, então será apenas uma solteirona mal-amada, frustrada, carrancuda e a cuspir lavas de fogo ante os outros feita um dragão enclausurado.


A sociedade ama um homem de 38 anos; casado ou solteiro é um homem fascinante. Uma mulher de 38 anos já deve ter a sua sina cumprida: mãe de um ou dois rebentos, casada ou divorciada, depende, pode ser uma deusa ou uma diaba, contanto que possua a prestação de uma casa que fá-la-á sofrer no final do mês, esposa de alguém (de preferência de um homem com lhe assegure a estabilidade e segurança tão almejada pela severa sociedade), ser possuidora de uma carrinha familiar, praticante de fitness, pois a concorrência assim o exige, compradora compulsiva de produtos da Mary Key pois as amigas já lhe apontaram umas rugas bem vincadas e deve ansiar ferverosamente pelas férias natalícias e as estivais, aliás, datas marcadas no calendário desde o inicio do ano… Sem este trâmite a mulher de 38 anos com a sua sina já cumprida não consegue organizar os 365 dias do seu ano.

 

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Eu sou uma mulher de 38 anos diferente.


Aos 33 abdiquei da independência espacial (subentenda-se, apartamento & emprego) mas sempre mantive e privilegiei a psíquica, e que ninguém me acorrente…


Possuo a vida mais imperfeita que existe.


Tão imperfeita ao ponto de o padre da minha paróquia ter tido uma reunião comigo para me nomear a próxima vitima da instituição do casamento e desejar obrigar-me a colocar um filho no mundo.


Tenho ares de diva autoritária. Eu mando. Eu faço. Eu quero. Eu vivo. Nem deusa nem diaba. Mulher. E uma mulher que já não permite que ninguém a chantageie ou lhe dê ordens. Anos de experiência para trás deram-me a sabedoria para saber lidar com as situações. Possuo defeitos e virtudes e que ninguém se atreva a deitar-me abaixo, mas também, não necessito que vangloriem as minhas virtudes. Passo bem sem as aparências e a bajulice.

 

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O medo da solidão fez abdicar-me da minha independência e mudar de cidade onde acabaria por viver outras experiências. Creio que todas me foram uteis. Continuei a ter vivências penosas e sofríveis, a padecer da síndroma da falta da independência.


É certo que estou longíssima de ser feliz ou encontrar a felicidade, tampouco sei se chegarei aos 39, por isso, já jogo todas as minhas cartas na mesa livremente.


Eu mando. Eu faço. Eu quero.


Um dia, contar-vos-ei o presente que ofereci a mim própria com 38 anos de idade, e, não, não foi um vibrador ou uma viagem louca pela europa ou a Riviera Maia.


Se conseguir chegar aos 39 anos, contar-vos-ei!

 

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Texto & Crítica: Vanessa Paquete 2017  ©

Fotos: Filipe Perinas ©
Flyers: Vanessa Paquete

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