Ser mãe ou não ser?
Muitas são as questões e as controvérsias e mesmo os mal-entendidos que se sublevam quando este tópico é abordado; existem mulheres que afirmam não possuírem aptidão para a maternidade, outras que a evitam por problemas socioeconómicos, outras por receio de um futuro incógnito que impossibilita as hipóteses de se arriscar.
São muitas as razões para não se ser MÃE!
Possuindo apenas o meu exemplo, e não desejando abordar os exemplos de conhecidas minhas, cujas estórias lhes pertencem, resolvi pegar em alguns casos bem conhecidos.
Para começar, gostaria de frisar que foi a atriz brasileira Cissa Guimarães que me levou a abordar este tópico.
Enquanto me passeava pelas notícias online do dia (um hábito que não dispenso), deparei-me com a homenagem desta grande atriz ao seu filho Rafael, falecido há seis anos atrás vítima de um atropelamento enquanto fazia skate no Rio de Janeiro.
Numa fração de milionésimas de segundos, ao contemplar a fotografia mãe-filho de quando Rafael tinha seis anos, e a ver a cumplicidade de ambos debati-me com um choro compulsivo sem igual. Por vezes, custa-me a acreditar que tanta gente me catalogue de ser insensível e fria, quando – na realidade – sou a pessoa mais vulnerável a face do planeta: as lágrimas jorram com tanta facilidade dos meus olhos que até dá dó…
Observando sub-repticiamente aquela fotografia de perfeita simbiose de amor e conjugação de afetos, chorei embaraçosamente durante umas boas horas. Não só me senti vazia e incompleta como senti que uma parte de mim jamais poderia prosseguir caminho por não ter empreendido o projeto que mais desejei empreender na vida e falhei: o de possuir uma família e ser mãe!
As minhas razões são tão válidas quanto as de outra mulher qualquer!
Existe quem não possua o instinto maternal e o afirme a plenos pulmões.
Existem mulheres que desejam engravidar e não conseguem e essa transforma-se na maior dor das suas vidas. Muitas tentam a fertilização, tratamentos vários e com muita persistência lá conseguem realizar o maior sonho das suas vidas.
Existe o problema socioeconómico, a falta de estabilidade emocional e monetária. Falta de recursos. Medo de um futuro tabu. Pânico da responsabilidade. O dilema em saber-se se seremos ou não boas mães.
E ainda existe o outro lado! Existe o lado das mulheres que não desejam efetivamente ser mães! Com uma vida conturbada e a viver em quartos alugados após uma grande intempérie ter assolado a minha vida eu autoproclamei-me híper feminista e independente: filhos não, obrigado!
E fiz de tudo para os travar quando – se calhar – outra mulher na minha posição tê-los-ia tido até porque carente de estabilidade, um filho poderia ajudar-me a consolidar a minha vida, porém, eu nunca acreditei em nada disso. Na questão respeitante a filhos eu racionalizava tudo e era perentória na minha resolução irresoluta de que só teria filhos de um homem que me fizesse vergar os joelhos e, ante o qual, o meu coração cegasse e o sangue nas veias se me gelasse.
No meu caso – curiosamente – foi o excesso de romantismo e casmurrice romanesca que me levou a evitar as gravidezes: o meu filho teria de ser o espelho do pai que – supostamente – eu amaria!
Hoje, já perto dos meus 37 anos metade de mim debate-se com a questão “porque é que tomaste as pílulas do dia seguinte quando tiveste até alguns pretendentes ao cargo de pai do teu filho?” e a outra metade com a racionalidade que me diz: “Estarias infeliz, sempre quiseste que o teu filho fosse fruto do homem que amasses cegamente e “amá-lo cegamente” era uma premissa fundamental para ti na maternidade e tu sabias que todas essas relações teriam um fim e o teu filho seria fruto de um acaso“.
Por isso, autoproclamei-me uma híper feminista que nem podia ouvir falar em crianças, embora as famílias dos meus ex-namorados esperassem ver-me de barriguinha a cirandar pela casa na expetativa de verem nascer uma menina de olhos tão azuis quanto os meus; eu sempre desejei ter dois rapazes, curiosamente, e uma menina em último lugar, só que – a falta de um pai que eu amasse – é daqueles segredos que não revelamos a ninguém! Armamo-nos com um escudo e fazemo-nos de fortes e dizemos a toda a gente que ter filhos acarreta muita responsabilidade (o que é verdade) e que não nos está destinado!
A atriz brasileira Cissá Guimarães e o seu filho Rafael falecido em 2010
Mas este é o meu exemplo: o infeliz exemplo de não ter encontrado um companheiro apropriado para a vida nem um pai que eu julgue apto para ser o procriador dos meus filhos. E nem é uma questão de eu achar que os meus ex-namorados não estavam capacitados a serem pais – muito pelo contrário - , estavam inseridos em famílias extremamente estáveis e abastadas a nível monetário (bem abastadas até), não possuíam vícios, eram formados, trabalhavam e possuíam recursos infinitos e uma estabilidade ridícula e queriam ter um filho meu….
Talvez esse cenário tão antagónico ao meu me fizesse recuar.
Eu não acredito que o amor se vai construindo com a convivência ou que nasce com o passar dos anos. Eu acredito que o amor é uma chama que inflama e nos tolda o subconsciente.
E tomada por esse súbito paroxismo de desespero de que – se calhar – não existiria alternativa a não ser buscar o meu príncipe encantado, saltei de relação em relação em busca do “tal” . Secretamente, afirmava a pé juntos que não queria ser mãe! De mansinho, ao acariciarem o meu corpo eles murmuravam-me laconicamente que desejavam ter um filho meu e acontecia… Após o ato eu volvia e revolvia na cama, pejada de pensamentos de remorsos; mais valia inventar que era adepta do celibato a ter de afirmar perentoriamente no dia seguinte que não queria ser mãe, que não chegara a hora, que não possuía o instinto maternal em mim etecetera quando – na realidade – sabia era que, mais cedo ou mais tarde, terminaria a relação e que seria de mim e do meu filho?
Tal pensamento fez-me correr para a farmácia – por vezes – a altas horas da madrugada para comprar a pílula do dia seguinte, porém, algumas das vezes pensei “porque não?”. Se eu estava com aquela pessoa era porque nutria algo por ela, apesar de acreditar que – mais cedo ou mais tarde – a relação iria terminar. O “porque não?” fez-me passar por mais de dez testes de gravidez (algo que ninguém sabe até hoje).
Não vou falar dos pais porque – na realidade – realmente a dada altura da minha vida aventurei-me em muitas relações e tenho consciência disso. Creio que todos teriam dado uns excelentes pais para os meus filhos ou filho porque sinto isso; simplesmente eu não os amava e foi essa decisão que pesou no final.
A cantora italiana Laura Pausini parecia possuir tudo para ser feliz, menos um filho. As tentativas foram várias mas inglórias. Sabendo da sua grande luta para engravidar, aquando da gravação do seu álbum BENVENUTO, foi-lhe oferecido um tema que se coadunava exatamente com a sua luta (a espera de um filho)! O belíssimo tema "Celeste" , de imediato, passou a ser o meu talisma e o meu estandarte na espera de um filho. Curiosamente, também o foi para Laura que após gravar o tema descobriu.... estar grávida! Quando gravou o vídeo-clip, Laura ainda não havia revelado ao mundo a sua gravidez. todavia, a sua emoção ao entoar a música e as lágrimas que deixou cair no fim, revelaram aos seus fãs o que toda a gente já desconfiava!
Recordo-me sempre do meu olhar conspícuo ao contemplar os testes de gravidez.
Um dos primeiros pensamentos que me passava pela cabeça era a possibilidade de um aborto; se eu não amava o pai como iria ficar agarrada a uma relação em prol de um filho? Conseguiria eu ser feliz assim? Conseguiria eu suportar o fardo? Como conseguiria eu criar um filho sozinha, decerto que tirar-me-iam a criança devido ao facto de o pai possuir melhores condições de vida…
Mil pensamentos atravessavam-me a mente!
E eis que o teste chegava e dava sempre negativo.
Acho que interiormente sempre suspirei de alívio.
Não queria trair o meu coração.
Não podia trair o meu coração.
E, acima de tudo, não queria ter de passar por um aborto!
Felizmente, Deus foi condescendente para comigo em tal provação, e nunca tive de viver tal.
E as minhas premonições eram infalíveis: as relações terminaram sempre mais mês menos mês e eu continuava no meu quarto enxague, alugado ao mês, a lavar chãos de restaurantes, a servir as mesas e a passar a ferro ao domicilio.
Não queria que o meu filho visse a mãe a passar por tais privações na vida após uma intempérie a ter assolado. Não era justo, portanto, nunca assumi o risco de ter um filho de um homem que eu não amasse mas – curiosamente – parecia que Deus também escrevia certo por linhas tortas, como se olhasse cá para baixo e dissesse: “Não pode ser. Ambos seriam infelizes e tu és obcecada pela perfeição no ser humano e uma acérrima lutadora da estabilidade monetária e emocional, acredita que não daria certo “
E eu sempre acreditei nesta minha voz interior que me sussurrava tal!
Todavia, não fugi das vozes maldizentes e dos olhares de través. Não gostar de bebés é malvisto, porque a sociedade impõe que se goste - e muito! Viver em quartos alugados é sinónimo de vida promíscua e precária, ao invés, de um grito de coragem e independência. Ser-se solteira por acreditarmos que ainda não encontramos o amor da nossa vida, muito para lá dos trinta, é sinónimo de imaturidade e leviandade.
Nunca ninguém consegue colocar-se no lugar da mulher que pondera ou não pondera ser mãe.
Eu não quis fazer bebés…
Não sem o homem que eu amasse…
E acreditem que sofri muito!
Há mulheres que não têm filhos mas que desejavam tê-los. E há as que os têm sem terem desejado tê-los. Mas a quem todos torcem o nariz é às que podem ter filhos mas não os querem. “Então podes engravidar, mas não queres?”
Ter ou não ter filhos é uma escolha minha.
Sofrível, mas minha!
Hoje em dia a mulher já não é sinónimo de maternidade. Existem as carreiristas. Outras pessoas apelidam-nas de libertinas. Passaram-se séculos e a mulher adquiriu o poder de escolha, conquistou a arte de bem viver a seu bel-prazer, sem obedecer as opções institucionalizadas. E o mito da felicidade depositada num filho é isso mesmo: um mito. Todos os meus ex-namorados acreditavam que se eu fosse mãe curaria todas as minhas feridas do passado, passaria a experimentar um amor tão incondicional que não existiria mais espaço para crises lacrimais.
É verdade que possuo um útero que pode conceber, mas Deus também me presenteou com um coração para amar e sentir os olhos do pai do meu filho cravados nos meus e também me deu um cérebro para equacionar, refletir, pensar e concluir que tamanha responsabilidade de bálsamo curativo não pode ser depositado numa criança.
Uma criança deve sim ser amada e isenta de responsabilidades.
Há quem possua capacidade para ser mãe e há quem não possua.
E depois existem as circunstâncias da vida que nos roubam pedaços de nós e não nos permitem seguir os nossos sonhos e nos amputam a alma. Muitas vezes perguntam-me se não me arrependi de não continuar a tentar conceber uma criança, ao invés, de ir comprar a pílula do dia seguinte.
Não, não me arrependi!
É sofrível mas não me arrependi!
Quero que o pai dos meus filhos seja o homem da minha vida.
É uma premissa obrigatória e não consigo abdicar dela.
Assaltam-me sentimentos de culpa e iniquidade mas como conseguirei eu ter um filho de um homem que eu não ame loucamente? Quero que o meu filho/filha possua os olhos do seu pai e a cor dos seus cabelos.
Sou uma romântica, eu sei. Também sei que – neste momento – algumas pessoas estão a olhar-me de través e a esboçar-me sorrisos enviesados, mas só quando eu sentir um baque no coração que o faça titubear, só aí, é que eu serei mãe; até lá estou em modo de abstinência e reclusão total amorosa a viver aquela tal liberdade que tanta gente almeja alcançar agora que se vê a braços com filhos e marido!
Mas quem disse que eu gosto de ser livre?
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Texto & Crítica: Vanessa Paquete 2016 ©
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