Estas conversas-confissões foram-me propostas pela Helena C., alguns meses após o Blogue se ter iniciado. A ideia era complementar com os meus textos algumas entrevistas pessoais, onde eu iria abrir-lhe a minha alma e desvelar-lhe algumas das razões que me levaram a criar o Blogue.
Inicialmente, recusei a proposta. Posteriormente ponderei. Acabei por prometer-lhe que acabaria por ter as minhas confissões, caso o Blogue tivesse alguma adesão, mediatismo e eu conseguisse ultrapassar a barreira dos 30 POSTS! Ultrapassada essa barreira, decidi arriscar!
Agradeço-lhe pelo seu entusiasmo, interesse e constante motivação para prosseguir com o Blogue, bem como os seus conselhos sábios e críticas analíticas e incisivas!
Vanessa Paquete
A Vanessa não é uma mulher de meias tintas; é mais de extremos, passional, por vezes, irracional e habituada a guerras que não se importa de polemizar. Os seus escritos confundiram-me inicialmente. Não sabia para quem escrevia. A curiosidade levou a sua melhor e acabei por estreitar laços de amizade com ela. Fiquei feliz por saber que não escrevia para alguém sepultado.
As suas conversas assim mo levavam a crer: que o Tiago Madalena era, talvez, um Ex falecido, um amigo intimo que a vida arrebatara cedo demais. Ironicamente e, como só ela o sabe fazer, tratou de desmistificar a minha teoria, o que ainda só me criou mais curiosidade:
Quem era ela, afinal?
Quem era, afinal, Tiago Madalena?
Nestas confissões que foram divididas por tópicos de entrevistas semanais, ela foi-me contando tudo, como se estivesse a falar consigo própria e sem se esquivar a questões críticas. Conversas essas que, muitas das vezes, tiveram a sua ponta de polêmica e outras um clima de intimidade muita grande. Pergunto-lhe se ela se considera uma escritora. Prontamente diz que não. Remata que apenas se serve das palavras e da linguagem para recordar velhas feridas da sua alma e do seu passado. Todavia, deixou-me esmiuçar o projeto do seu livro de ficção, cujo nome não nos quis revelar.
Enquanto entrevistadora encenei uma série de diálogos que roçam na psicanalise de divã. Centrei-me em aspetos específicos da sua vida, como a sua infância, fase a posteriori, adolescência, a relação com os diversos intervenientes que figuram no seu blogue, com especial incidência no mítico e, até então, desconhecido para mim, sujeito de nome Tiago Madalena.
Propositadamente, aticei-a muitas das vezes e questionei as suas crenças político-religiosas, bem como a sua cultura e inteligência.
Afinal de contas, seria ela uma “ menina despeitada fútil “ a romancear um amor? Ou teria conteúdos mais substanciais no seu cérebro para além de um moreno de olhos verdes? A resposta está nos acessos diálogos que vivenciamos acerca de alguns assuntos menos romanescos. Falamos dos seus sucessos, vitórias inesperadas e, inevitavelmente, do seu fracasso também e frustrações subjacentes a carapaça que, por norma, costuma usar.
Vanessa não deixa para ontem o que deseja dizer hoje. É pretensiosa. Arrogante. Tem a sua dose bem medida de narcisismo. Talvez por saber o quão extraordinária é na posse dos seus múltiplos talentos. Talvez para combater o medo que a persegue e a tristeza de nunca ter conseguido realizar algumas das suas maiores aspirações. É uma fútil mascarada. Única e clone em simultâneo mas não pretende admiti-lo. Aliás, foge das similitudes com os seus “ pares “ e a cidade onde viveu (Leça da Palmeira) como o diabo foge da cruz, porém, se a centrifugarmos bem ela revela-se e vai-nos contando amiúde cada capítulo da sua vida.
Quis fazê-lo para exorcizar a dor. Para expurgar a raiva. Afinal de contas, aquele que ela escolhera, mal os seus olhares se haviam cruzado em tenra idade, nunca chegou para a vir resgatar. Tratou-se de uma miragem, uma utopia in concretizável. Ela não soube aguardá-lo em silêncio. Fustiga-se até hoje devido a tal. Castiga-se. É um drama óbvio e pouco incomum.
Sabiamente, o senso-comum manda-nos seguir em frente, caso façamos uma escolha errónea. Mas ela não. Ela alimenta o sofrimento. Vivencia a praga como um cancro que a vai matando a conta-gotas.
Quis fazê-lo pelo seu pai também.
O seu pai… uma montanha demasiado inacessível, difícil de transpor, impossível de alcançar.
Quis manter nestas confissões um carácter informal e mostrou-se um livro transparente, o que muito lhe agradeço.
Todas as nossas conversas foram revisitadas a seu pedido e sujeitas a aprovação, bem como uma correção ortográfica de sintaxe e semântica (Vanessa é uma seguidora irrepreensível do novo acordo ortográfico e do bom português) !
Helena Coelho
" DISPUTE NOT WITH HER: SHE IS LUNATIC " WILLIAM SHAKESPEARE
ENTREVISTA I
Helena Coelho: Fazes um retrato bastante abstrato da personagem, em torno da qual, gira o teu Blogue. As estórias mesclam-se umas com outras, ora fazendo rewind, ora fazendo foward na cronologia do tempo, e faze-lo em várias línguas: porquê?
Vanessa Paquete: Pediste-me para te ser inteiramente honesta e deixar de lado o lado erudito e a minha eloquência. Permitiste-me dizer palavrões, inclusive, para dar autenticidade ao diálogo.
Helena Coelho: Sim, não gosto que digam algo ou afirmem uma coisa só para ficarem bem no figurino “ como se costuma dizer “.
Vanessa Paquete: O back and forth dos textos é totalmente aleatório. Um dia, amanheço e apetece-me descrever um diálogo que tive com o Tiago na Primavera de 1995. Numa madrugada de chuva impiedosa, recordo-me de um momento de zanga ou tensão ocorrido no Inverno de 1998. Por vezes, apetece-me falar do dia em que o conheci (15 de Junho de 1991). Outras vezes, apetece-me avançar para o novo milênio e descrever o nosso reencontro em Janeiro de 2004. Falar da longa carta que lhe enviei após a morte da minha mãe no decorrer do ano de 2005, ou voltar a retroceder para 1996 e regressar ao falecimento do seu pai. Uns dias, acordo inspirada, e relato o Verão de 1994 que passamos juntos. Outros falo-lhe de reencontros em 2006 e 2007 e, muitas das vezes, do mítico jogo de futebol, ao qual, assisti em 2013 enquanto fotógrafa, da dupla edição de uma revista sensacionalista no decorrer de 2012 onde escavaquei o nosso passado. Do seu jogo contra o Sporting, ao qual, assisti no ano de 2006. Olho retrospetivamente para os momentos joviais, utópicos e também para os azedos e agridoces e, tal como um pintor, monto a minha tela, vou buscar os meus pinceis e começo a esboçar o rascunho de algo, e, assim nascem os meus textos acerca dele.
Helena Coelho: Portanto, o Tiago Madalena existe?
Vanessa Paquete: Claro que existe (risos)! Achas que iria inventar alguém para incidir a minha escrita?
Helena Coelho: Muitos escritores fazem-no. Não serias a primeira a usurpar um personagem. Nas nossas conversas “ off the record “ pude percecionar que não era uma invenção da tua cabeça para entreter leitores, todavia, convêm esclarecer que “ ele “ realmente existe porque muitas pessoas, como já to afirmei, acham os teus relatos algo alienados…
Vanessa Paquete: (pausa) Alienados, hein? Bom, sempre disseram que eu tinha alguns fusíveis fundidos, portanto, não me espanta tal parecer. Mas sabes? É interessante saber isso! Tomarmos conhecimento que as pessoas nos acham desconcertadas, em modo de representação, a interpretar um script… (suspiro)!
Helena Coelho: Referes-te a ele, muitas das vezes, com um discernimento muito aguçado e até uma ponta de sarcasmo. Toda a tua narrativa se centra nele, em redor dele ou acerca dele: não achas um pouco obsessivo? Sendo uma excelente escritora, nunca pensaste em dividir os textos do teu Blogue por outros assuntos mais pertinentes que marcam a nossa atualidade, como política, assuntos socioeconómicos e personagens extraordinárias que deixaram o seu cunho marcado na nossa História? Vejo-te em voos muito além-horizonte e sei que deténs pareceres bem vincados acerca do mundo que te rodeia: porquê centrar a tua mente e prosa num sujeito mundano?
Vanessa Paquete: Porque amei incondicionalmente esse sujeito mundano…
Helena Coelho: E o que há de tão especial nisso? Sinto-me na necessidade de te perguntar se existe algum feito notável que ele tenha feito para que nós o recordemos.
Vanessa Paquete: (gargalhadas) Por acaso, agora que falas nisso, consta que recebeu em dezembro o prémio “ Camões “ e uma distinção por ser “ poliglota “; satisfaz-te a resposta? Isso faz dele alguém digno de ser mencionado publicamente?
Helena Coelho: Estás a falar a sério ou a ser sarcástica?
Vanessa Paquete: Evidentemente, que não foi condecorado com o prémio “ Camões “ pelo nosso Presidente da República, nem recebeu uma medalha da Legião de Honra, todavia, não estou a mentir-te quando digo que lhe foram atribuídos dois prémios. Foi distinguido pela empresa, com a qual, colabora, talvez, em jeito de brincadeira, visto que se tratava das festividades natalícias, ainda assim… (ri-se) … temos de lhe dar o devido mérito!
Helena Coelho: Vê-se que não permites que ninguém galgue as barreiras do “ vosso “ mundo. Não te interessa a política nem a religião, mas sim, dissecar uma “ paixão do passado “. Consegue-se percecionar a tua obstinação em “ trazê-lo sempre a baila “ e a tua necessidade premente em defendê-lo no teu subconsciente e escrita como se te tivessem a arrancar o teu brinquedo preferido; estou certa?
Vanessa Paquete: (pausa longa) Sempre essa velha treta da obstinação e da obsessão relativamente ao Tiago. Porra! Se quiseres que eu opine acerca de política eu escrevo-te uma série de textos acerca do legado Comunista no mundo, ponho-me a dissecar acerca de Karl Marx e da utopia de uma sociedade igualitária. Ou melhor, ao invés, porque não me explicas tu porque razão o estabelecimento de uma sociedade sem classes sociais e baseada no bem-estar do proletariado adveio de um sanguinário como o Bolchevique Estaline e teve as suas raízes na União Soviética? Um país, claramente, sob o cunho de um ditador!
Helena Coelho: Houve uma “ desestanilização “ em inícios da década de 60…
Vanessa Paquete: (interrompe-me zangada) Claro que houve. A União Soviética acabou com a II Guerra Mundial e tornou-se numa potência dominadora. Não podemos deixar de lhe conceder o crédito de Estaline ter avançado com o seu “ exército vermelho “ sobre Hitler e tampouco podemos esquecer que Lenine, aparentemente, segundo aquilo que pude apurar, ao fazer com que a classe operária se sublevasse contra os czares, desejava, veementemente erradicar as idiossincrasias de gêneros e classes, todavia, Josef Stalin, tal como Hitler que acreditava que a raça ariana tinha de ser criada através da opressão, também Estaline acreditava que a instauração do Comunismo (a sua lei e filosofia) deveria ser feita através da eliminação da classe burguesa (sua principal opositora). E a erradicação do pensamento-livre foi feito a força, recorrendo aos métodos subjacentes a uma ditadura. Ponto. Sabias que os membros da sua família iam desaparecendo misteriosamente (caso se lhe opusessem)? A sua filha costumava perguntar-lhe: “ Papá, para onde mandaste o tio tal e a tia etecetera? “ Eram todos assassinados. Nada poderá apagar da História que os fundamentos de Marx e Engels foram radicalmente deturpados por Estaline e manchados de sangue. O Comunismo está manchado de sangue e opressão pelo maoísmo, o leninismo (levado a seu cabo e bel-prazer por Estaline e à sua maneira) e por Fidel Castro. Existe quem diga orgulhar-se de ser Comunista. Até compreendo. Mas, por aquilo que já pudeste apurar dos meus pareceres, vejo sempre o reverso da medalha. Conheço os alicerces do Comunismo. Como qualquer ser livre e democrata sou contra qualquer tipo de ditadura. Algumas das maiores ditaduras do mundo foram implementadas em países Comunistas, portanto, explica-me tu tanta ambivalência de políticas.
Helena Coelho: És muito suscitável quando se fala de política ou estás simplesmente zangada por ter-te desviado do teu assunto-mor (Tiago Madalena) e ter-te apelidado de obcecada por ele?
Vanessa Paquete: Ambas! (suspiro) Se quiseres também te falo de religião. Igualo o Cristianismo a um Comunismo. Os mandamentos estão todos lá (baseados totalmente em valores utópicos), todavia, foram deturpados e instaurados a força a quem se lhes opusesse. O próprio Cristianismo foi uma ditadura, em tempos, não muito longe dos terroristas muçulmanos que atacaram Charlie Hebdo. A Inquisição foi promulgada em nome de Jesus Cristo e de um Deus que não tolerava quem não fizesse parte da sua “ seita “ . Os Muçulmanos atacam a suposta “ liberdade de expressão “ com bombas e metralhadoras, enquanto que os Cristãos lançavam para a fogueira os seus opositores, faziam verdadeiros massacres (como os que ocorreram com os Templários). Ninguém está impune Helena. Ninguém é santo ou pecador. Os Muçulmanos têm escrito no livro sagrado do Alcorão para erradicarem quem se opusesse a Alá.
Helena Coelho: Concordas, então, com os ataques terroristas?
Vanessa Paquete: Claro que não! Lamento que inocentes sucumbam perante a estupidez do mundo.
Helena Coelho: Estupidez; como assim? Explica-te!
Vanessa Paquete: Hum…Não gosto de colocar sal e vinagre na ferida e por isso nunca me manifesto publicamente acerca de política, mas censuro perentoriamente o humor negro e qualquer tipo de sátira que invada a liberdade de outrem e que mexa com as crenças e valores dos demais. Dito isto, evidentemente, que um jornal satírico, cartoonista, jamais seria a minha leitura predileta. Recordo-me de ver alguns dos “ cartoons “ e de censura-los ferozmente e tampouco sou uma religiosa férrea, seja de que religião for. Simplesmente acredito no respeito. Acredito, idem sapas, na liberdade de expressão mas não daquela forma. Se jornalistas atacam com um lapís e esboços cartoonistas sujeitos que eles sabem serem extremistas, possuidores de armação bélica e adeptos da morte em defesa do seu Deus, só posso dizer-te que se colocam a jeito. Já lá existe aquela velha expressão “ You play with fire and you get burned “
Helena Coelho: Tu estás a brincar com fogo. Tens noção disso? Onde se inicia a tua liberdade de expressão?
Vanessa Paquete: Creio que estás a falar do Blogue, certo?
Helena Coelho: Sim…
Vanessa Paquete: A minha liberdade de expressão inicia-se numa linha bem concreta.
Helena Coelho: Que é?
Vanessa Paquete: A partir do momento que se inicia a minha liberdade de expressão termina a liberdade do Tiago.
Helena Coelho: Era aí que queria chegar. Gostaria de aprofundar essa questão, sem cinismos a mistura. Redigi-lhes textos reveladores e românticos, todavia, propus-te irmos mais fundo, até ao âmago da estória, dissecar os esqueletos, entregares-te de corpo inteiro, remexer nas axás e atear-lhes fogo, por assim dizer.
Vanessa Paquete: Estou a fazê-lo em concordância contigo.
Helena Coelho: Sim, eu sei , mas estás a comprometer a liberdade de outras pessoas ao passar por cima de alguns episódios mais íntimos das suas vidas. É a tua liberdade de expressão contra a liberdade de terceiros. Não pensas até que ponto podes enfurecê-los?
Vanessa Paquete: Repara numa coisa. Desde os meus 15 anos de idade que prometi a redação de um livro acerca do Tiago e era uma rapariga impúbere que apenas havia feito sexo uma única vez na vida, todavia, no meio da minha “ meninice “ imatura, já sabia e tinha consciência que havia de escrever muito acerca do Tiago. Chama-lhe premonição. O que quiseres. Não é uma coisa assustadora?
Helena Coelho: (risos) Não te consigo imaginar imatura aos 15 anos de idade depois de teres lido “ Quo Vadis “ duas vezes seguidas, “ Os Filhos da Droga “, seres fã incondicional de Sophia de Mello Breyner, Florbela Espanca e após teres perdido a virgindade com catorze anos apenas para um rapaz de treze. (risos)
Vanessa Paquete: Pronto, talvez fosse madura, com alguma dose de perspicácia e sensatez. O que eu quero dizer com isto é que, desde muito nova, lhe prometi dedicar-lhe os meus pensamentos mais íntimos, os meus segredos inconfessáveis. Não se tratou de uma negociação onde ele teve direito a voto ou a vetar a minha decisão. Tratou-se mais de uma imposição. Todavia, fi-la, tão-somente após me certificar que “ entre nós “ existia apenas desconforto, nada de palpável e jamais uma estória aconteceria. A partir do momento que deixei de almejar ao seu amor enfiei na cabeça a ideia de que não poderia ser um nome “ para esquecer “ no corredor da sua existência. O meu nome tinha de ficar registado nas entrelinhas da sua vida.
Helena Coelho: Então tens sido tu a batê-lo “ round “ após “ round “ por aquilo que consegui perceber, ou é o oposto? Sabes? Vejo a tua estória com ele como uma “ tragédia cómica “ porque tem laivos de comédia à mistura. É algo triste, mas, simultaneamente, interessante. Ele corre atrás da vida. Tu permaneces nos apeadeiros das estações. Todavia, vocês são parecidos, já reparaste nisso?
Vanessa Paquete: Parecidos como?
Helena Coelho: Nas “ nossas conversas “ falamos muito das vossas parecenças e diferenças.
Vanessa Paquete: Que eu julgo serem um bilião…
Helena Coelho: Espera, deixa-me acabar! Estranhamente, é muito similar o teu percurso com o dele a nível amoroso e estético. A partir de uma determinada fase mais adulta da tua vida, creio que muito influenciada pelos seus estereótipos, a tua idade da inocência findou, o sexo exaltou-te, a beleza idem aspas, descobriste-te a ti própria ao imaginares que poderias recuperá-lo. Começaste a celebrar a vida, tal e qual, o Tiago o fazia. Ele um Casanova ou um D. Juan, como lhe queiras chamar. Tu, uma caçadora emocional de homens. A adulação assentava-vos bem. A bajulação também. Ambos eram muito bonitos. Pareciam demónios incarnados que povoavam a mente de quem se aproximava de vocês. Ele com os seus olhos verde topázio…
Vanessa Paquete: Castanhos… (risos)
Helena Coelho: Adiante…Verde topázio… Tu com os teus olhos azuis celeste. Era como se ambos tivessem o mundo a vossos pés. É muito interessante regressar a este capítulo da tua vida, em que tu terminas um noivado de 7 anos, regressas a Leça, sem quaisquer pistas de como poderias concretizar o teu desejo de ter o Tiago, mas faze-lo por amor e, todavia, dizes ter sabido aos 15 anos de idade que nada existiria entre vocês, Estás a praticar a arte da desonestidade e da imodéstia para comigo. Tu acreditaste que poderias inverter o decurso dos vossos destinos. Contraria-me se estiver errada. Tu acreditaste.
Vanessa Paquete: (longo suspiro) A exceção dos 34 anos. Ai só mesmo num livro de ficção. A estória já fora longe demais. Porém, não possuo filhos. Não me casei. Pareço uma “ songbook “ extremamente batida. Um disco riscado. Como te disse, em conversas mais intimas, era-me penoso estar no mesmo universo que ele ou num próximo sequer.
Helena Coelho: Por isso te mudaste para Lisboa aos 33 anos de idade, vinte e dois anos após o teres conhecido?
Vanessa Paquete: Efetivamente! Tornei-me uma espécie de Anticristo com rancor da vila onde vivia. O sangue latejava-me nas têmporas de tanto esbater com a cabeça contra o muro. Envolvia-me em brigas verbais com toda a gente. Protestava contra tudo e todos. Não detinha o mínimo de equilíbrio. As minhas discussões eram ruidosas e em altos decibéis. Era difícil de acreditar que já ia a caminho dos 34 anos de idade e custava-me a admitir que eu virava uma diaba, encolerizada com Deus. Sentia-me tão revoltada…
Helena Coelho: Raiva e encolerizada com o quê?
Vanessa Paquete: Com o vazio… a minha vida era um vácuo…um mar de solidão. Eu precisava de pessoas em meu redor. Muitas pessoas. Desperdiçara talentos, abdicara de amizades e amores. Perdera sustento familiar à custa das minhas decisões emocionais. Subestimara as minhas capacidades. Jogara empregos importantíssimos pela janela fora. Sentia-me uma nulidade: a sem-absurdo da família Paquete!
Helena Coelho: Certo, mas todos nós a uma dada altura das nossas vidas, passamos por crises, não?
Vanessa Paquete: Sim, mas não de uma envergadura tal como aquela. Ainda não conheci ninguém que perdesse tudo ao mesmo tempo. Foi um duro golpe para mim depois de ter batalhado tanto para singrar em determinados campos da minha vida. É complicado exprimi-lo por palavras, compreendes? Existia um compromisso para comigo. Uma promessa que eu havia feito e no ápice da intempérie quebrei a promessa, desonrei o compromisso e não consegui fazer absolutamente nada mais por mim própria; o que é algo decadente e patético. Por vezes, sinto-me como uma alcoólatra ou um toxicodependente em reabilitação, cheio de falhas no seu caracter e espirito, com todas as fraquezas espalhadas pelo seu corpo, a não conseguir trazê-las cá para fora, a combate-las e, consequentemente, a sentir-se um “ pedaço de merda “ (suspira e põe-se a trautear alguns trechos de “ Born Of Frustation “ da banda britânica “ James “ )
Vanessa Paquete: Sabes? Durante anos, no auge do meu narcisismo (ri) costumava acreditar que Tim Booth havia escrito esta tema propositadamente para mim : “ Eu não preciso de um psiquiatra mas sim de um exorcista. “ Não achas uma frase de génio?
Rio-me com o seu aparte sombrio e cinzento…
Helena Coelho: Sim, os James ainda continuam a ser o “ guilty pleasure “ de muita boa gente, mas, voltando ao tópico do teu autodesprezo, tu nunca foste adepta de vícios e és apologista de uma vida saudável – não fumas, não bebes, não consomes cafeína, tampouco chá verde, nem bebidas gaseificadas ou fast-food. Sinto-me tentada a colocar-te esta questão: és Mórmon?
Vanessa Paquete: Ora aí está uma questão pertinente, a qual, não consigo chegar a um consenso. Se calhar sou! Nahhhhhh, estou a brincar. Os Mórmons são extremamente duros e disciplinados para consigo próprios, sabias? São uma boa filosofia de vida a seguir, mas vivem num clima de auto-adoração da sua religião e submissão aos seus valores. Quem se desvia um milímetro que seja dos dogmas impostos é convidado a desenraizar-se da comunidade. O mundo deles é algo ambíguo e estranho. Até pregam sábios conselhos como o culto da mente e do corpo através da pureza e desintoxicação alimentar que eu muito prezo, mas, possuem regras inflexíveis como a estranhíssima preservação da virgindade, em pleno século XXI, até o dia ridículo do teu casamento. Não veneram santidades (princípio que eu apoio), tentam interagir bastante com a comunidade, toleram que os seus sacerdotes sejam casados, por norma, quem lidera a comunidade possui sempre um cargo de destaque a nível profissional como médico, engenheiro, economista, arquiteto etecetera…
Helena Coelho: …parecem-me algo capitalistas…
Vanessa Paquete: (risos) E são-no! Praticam a lei do dízimo. 10% do teu ordenado vai diretamente para a comunidade. É fantástico, não? Se reparares bem, segundo as leis deles, eu jamais poderia ser Mórmon…
Helena Coelho: Ohhh… Sim, estou a ver… Já perderas a virgindade – vezes sem conta, não? (risos)
Vanessa Paquete: Não, nada disso! Tal “ desvio espiritual “ cura-se com a entrada na religião e o teu batismo que é processado através de um ritual algo sagrado e muito específico, onde mergulhas toda a tua alma (bem como todo o teu corpo seminu) numa pira batismal de tamanho XXL. Lá deixas todo o teu passado, bem como o teu existencialismo amargo. Renasces purificada diante de uma plateia excitada que dá bênção aos céus por mais uma alma se ter juntado a comunidade.
Helena Coelho: Queria regressar ao tópico inicial (o intuito do Blogue), mas, definitivamente, o que tu não demonstras no Blogue através da tua escrita, exprime-lo bem uma conversa up-close & personnal. Acabei de me aperceber que foste Mórmon, é verdade? Desculpa se estou a insinuar algo estúpido mas conheces a religião muito a fundo…
Vanessa Paquete: (ri-se em gargalhadas estridentes) … Quase Helena, quase! Levaram-na na certa mas perderam qualquer credibilidade junto de mim com o pedido do dízimo, todavia, sim, fui Mórmon, confesso!
Helena Coelho: Achava-te Cristã. Não porque mo tenhas dito, mas, devido a algumas conversas que tivemos. Se fizeste parte da comunidade Mórmon o que te levou a desistir do culto?
Vanessa Paquete: Tal como já te referi, aparte a solicitação do dízimo, possuem uma excelente filosofia de vida a seguir que recomendo a qualquer pessoa. Conselhos básicos e práticos que podem salvar uma vida (na verdadeira aceção do termo). Cada família deve possuir uma espécie de bunker clandestino em casa com mantimentos extra…
Helena Coelho: … desculpa interromper! Um bunker? Em caso de haver um dilúvio tipo a Arca de Noé ou a chegada do Armagedão? Não fazia a mínima ideia!
Vanessa Paquete: Não. Tudo isso advém da literatura cristã que vais lendo (o dilúvio, o tão esperado Armagedão), são parábolas que aprendemos a assimilar. Como já te disse, são uma religião voltada para o lado prático da vida. Os mantimentos e o bunker são obrigatórios em cada família que pertença a comunidade Mórmon e advêm da ideia (absolutamente realista) de que poderá ocorrer uma III Guerra Mundial ou algo do gênero.
Helena Coelho: Hum…parece-me inteligente. Mas não me respondeste. O que te levou a desistir do culto?
Vanessa Paquete: (risos) Enamoro-me muito facilmente. Quantas vezes teria eu de entrar naquela pira batismal? Já para não falar que não poderia proferir mais junto dos meus “ irmãos “ o meu passado; o que significaria não pronunciar mais o nome do Tiago. (fica pensativa) A água lavaria a minha alma, far-me-ia conhecer a verdade e a verdade libertar-me-ia (supostamente). Porém, continuei com os mesmos grilos na cabeça e a sentir borboletas no estômago de cada vez que olhava para uma fotografia do Tiago numa rede cibernauta. Para além disso, amando um platonicamente, nunca abdiquei de amar outro em simultâneo fisicamente. Tinha um coração tipo T3 Duplex (cabia lá muita gente). Era indigna da religião!
Helena Coelho: Levou-me algum tempo a inquirir-te acerca dos teus momentos mais íntimos; estavas relutante em responder-me. Não querias armar confusões. Agora sinto-me andar aqui às voltas com as perguntas na cabeça e, a medida que vamos conversando, não consigo arranjar uma linha condutora de raciocínio…Sinto-me perdida… E sou meticulosa…
Vanessa Paquete: É! Falar comigo dá sempre pano para mangas (risos). Mas porque não regressamos ao princípio para finalizar esta primeira entrevista.
Helena Coelho: Mmmh…ok (pausa)! Não me respondeste ainda a algumas perguntas. Porque razão escreves em múltiplas línguas?
Vanessa Paquete: Porque sou uma exibicionista! Repara, passei 9 anos da minha vida numa secundária a fazer “ puto “, à exceção de derramar rios de lágrimas, pelos corredores da escola, por um rapaz que nunca se deu ao trabalho de… (para de repente) ah… sei lá… Ia dizer que nunca se deu ao trabalho de olhar sequer de relance para mim, mas isso seria uma mentira porque nós fomos colegas de turma. No mínimo de bloco. Falamos. Convivemos, Evidentemente, que teve de olhar para mim. Mas, o que te queria dizer é que eu estava tão consumida pela minha “obsessão” como tu própria a apelidas, que esqueci-me de elaborar um projeto para o futuro. Estava tão fascinada por ele! Nunca tinha conhecido ninguém como o Tiago. (os seus olhos brilham)
Helena Coelho: … ao ponto de te esqueceres de ti…
Vanessa Paquete: O Tiago era o tipo “cool” da secundaria. Vestia-se com mais estilo que qualquer outro rapaz, e tal, na altura, constituía um feito extraordinário. Nós não estávamos ao mesmo nível. Existiram sempre fortes discrepâncias entre nós; em termos de elegância no vestir, na estética e ao nível do conhecimento.
Helena Coelho: Queres dizer que ele era superior a ti? Significa o quê, o que acabaste de dizer?
Vanessa Paquete: Se existisse um sistema de castas ou hierarquia a nível estético o Ivo e o Tiago estariam no topo da cadeia alimentar. Têm, ainda hoje, e sempre tiveram uma excelente aparência. Uma elegância inigualável. Pareciam-se muito com estrelas de Hollywoood. Via-os entrar pela porta dianteira do Bloco e parecia que o faziam em slow motion, nunca colocavam um pé em falso, nunca perdiam aquela sua postura cool…
Helena Coelho: (risos) Não estarás a exagerar?
Vanessa Paquete: Não, não…acredita! Eles eram um cocktail perfeito para a década de 90. Aliás, o Ivo e o Tiago eram a perfeita incarnação da mística pop da era que a nossa geração vivia: lustrosos e brilhantes! Eram um Pack Deluxe (abençoada mãe) !
Helena Coelho: Tenho tentado conter-me com algumas das tuas observações e tento encarreirar a entrevista para um segmento sério, mas, desculpa não consigo parar de rir com o teu encantamento tóxico por essas duas personagens. É hilariante a maneira como falas deles. (gargalhadas)
Vanessa Paquete: Ainda existe uma pitada de humor em mim; continuamos?
Helena Coelho: Sim… E tu, como eras? Não tinhas esse ar fabuloso?
Vanessa Paquete: Díspar deles. Antagónica esteticamente. E, muito provavelmente, seria classificada como a parte “ não-comestível “ da cadeia alimentar. Todavia, ganhava-lhes num ponto.
Helena Coelho: Que era?
Vanessa Paquete: Eu conhecia todas as palavras certas. Sabia como proferi-las. Escrevê-las. Tinha todo o léxico próprio de uma escritora, mas, ainda assim, sabia dominar a gíria comum. Movimentava-me bem entre os dois mundos. Tinha um visual horrível e agia enquanto uma “ out cast “ mas a minha escrita e poesia possuíam a terminologia correta e, devido a tal, passavam-me ano após ano, nem que detivesse notas para chumbar. O Ivo e o Tiago não detinham esse privilégio.
Helena Coelho: Queres dizer, então, que a beleza deles encantava mas não os iria levar longe?
Vanessa Paquete: Sim…
Helena Coelho: Tu vieste da classe média alta e os irmãos Madalena de uma classe mais proletária: isso causou fricção entre vocês?
Vanessa Paquete: (inspira profundamente) Podemos deixar esse tópico para outra entrevista? Há muito a dissecar nele.
Helena Coelho: Como queiras.
Vanessa Paquete: Mas, recuando ao que estávamos a falar, existiam céticos veementes, ou invejosos (nunca o conseguiremos saber) que afirmavam a pé juntos que finda a beleza com o passar dos anos, e a carreira futebolística que (creio) ambos pretendiam empreender, o Ivo e o Tiago acabariam pendurados na grua de umas obras quaisquer da periferia a mandar piropos grotescos as “ babes “
Helena Coelho: Jura?
Vanessa Paquete: Sim, todavia, creio que ambos aperceberam-se que o status de veneração, adoração e deslumbramento não chegaria para singrarem na vida. Ser cool não era uma profissão nem ajudava no empreendorismo existencial. Muita gente podia gravitar em torno deles por terem o peito inchado e o ego mais ensaboado que uma safira preciosa, mas, tanto um como outro sabiam que, a dada altura do campeonato, iriam ver no placar “ Game Is Over “ e aí já não poderiam esconder-se mais por detrás dos óculos de sol que tanto estilo lhes davam. Acho que eles aprenderam a ver a equação por inteiro; tinham de reeducar-se, aprimorar o vocabulário, alargar a sua circunferência de amizades e incutir nela pessoas com qualidades que os obrigassem a perceber que, para além da beleza, eles possuíam um dom e esse dom poderia fazê-los crescer enquanto seres-humanos e indivíduos bem-sucedidos na vida.
Helena Coelho: De que dom estás a falar?
Vanessa Paquete: Eles eram radicalmente cool e extremamente descontraídos. Não eram académicos mas aperceberam-se que poderiam sê-lo. Que a sociabilidade os poderia ajudar a atingir metas, mas que a inteligência e o alargar de horizontes os manteria um nível acima da média e do esperado. Torná-los-ia impecáveis! E assim o fizeram…
Helena Coelho: Parece-me que chegaste a vivenciar as mesmas experiências que eles; estou certa?
Vanessa Paquete: Sim, mas num sentido inverso e ao jeito de “ montanha-russa “. A uma dada altura da minha vida fui tão solicitada e bajulada quanto o Tiago. Por vezes, sinto que Deus me fez bonita por uns anos para me dar a conhecer o que era estar na pele do Tiago Madalena !
Helena Coelho: E como era estar na pele do “ Tiago Madalena?”
Vanessa Paquete: (risos) Deixamos isso para outra entrevista?
Helena Coelho: Está bem… Numa próxima incursão ao teu mundo veremos as coisas por um ângulo diferente; pode ser? Gostaria que te colocasses na pele do Tiago, que despisses esse teu manto de tabus e trouxesses ao de cima o teu lado santificado e demoníaco.
Vanessa Paquete: Ainda mais? (risos)
Helena Coelho: Não quero que abordes a estória de um prisma preto-e-branco, tampouco acinzentado. Todas as coisas más têm um lado iluminado e todas as coisas boas têm um lado obscuro e vice-versa. Tu acendeste um rastilho… Deixa agora que ele arda!
Vanessa Paquete: Eu simplesmente estou a tentar dar a volta a escuridão.
Helena Coelho: Ok, se tu o dizes… Faltam duas perguntas para terminarmos este diálogo. Ainda não me respondeste: quem anda a vencer round após round?
Vanessa Paquete: Olha, vou ser-te honesta. Sou uma pessoa que se agarra aos seus princípios e convicções. O Tiago é, igualmente, obstinado mas um obstinado diplomata e avesso a queixumes e lamúrias, muito menos, dramas de cariz greco-romanos. O gajo é um sacana de um católico com boa índole. Não interessa se é boa ou má rês por ter uma parafernália de mulheres atrás dele. O tipo tem todo o direito de tê-las pois é um sujeito disponível, que causa empatia, é agradável e não é reacionário, portanto, o Tiago nunca esteve no ringue comigo Helena. Ele é um pacifista. Eu ando a lutar contra moinhos de vento invisíveis, mas, caso o Tiago tivesse entrado na arena comigo com o propósito de se gladiar contra mim, claramente, teria ganho ele a batalha. Ele ganhou-me logo no primeiro round ao arrebatar-me o coração.
Helena Coelho:… poético! Vais continuar estas conversas comigo?
Vanessa Paquete: Se não cobrares (risos)…
Helena Coelho: Negligenciamos muitas questões nesta primeira entrevista. Outras mais virão. Estás disposta a responder a todas as questões que te colocar mesmo que causem controvérsia ou desconforto em algumas pessoas?
Vanessa Paquete: Olha, vamos fazer um jogo. Fecha os olhos. Imagina-me de coldre e botas de cowboy, com um colete a prova de bala a com uma GM de 57 m/s na mão e VOILÁ, estou pronta para o duelo. (risos)
Helena Coelho: (pausa) Prefiro imaginar-te em termos mais harmoniosos, mas, creio que isso responde afirmativamente a minha questão. Podemos despedirmo-nos com uma canção?
Vanessa Paquete: As always! (sorri de orelha a orelha)
Helena Coelho 2015 ©
Vanessa Paquete 2015 ©