REQUIEM POUR UN FOU

Pior, é que a maluquice, ainda não me passou aos 35 anos. Há qualquer coisa de magnífico neste instrumental e no fato de " ela apenas o ter deixado com uma fotografia em sua posse " . O texto que se segue, é uma daquelas minhas pérolas raras da minha coleção, redigido num momento divino de inspiração. Começou a ser trabalhado, na altura, em que o Facebook entrara em moda, e eu descobrira a tua relação com a Irina e todas as tuas amizades circundantes. As fotografias iam aparecendo, uma após outra, ora em viagens a Paris, Londres ou ao México, ora em patuscadas com amigos teus, com os quais eu já me cruzara por diversas vezes. Foi de todo esse reconhecimento na tua vida real que nasceu este texto.
Estas linhas, que começas agora a ler, foram escritas após várias semanas de frustração, e um longo interregno que me levou até ao âmago da minha alma.
De ti, hoje só me restam ténues recordações.
Memórias eternas e fugidias que a fugacidade do tempo teima em apagar.
O cérebro é implacável no que diz respeito a acumulação de " arquivos mortos ".
Vai apagando as imagens como se de um simples retrato pintado a cinzel se tratasse: a passagem dos dias é célere e o avançar implacável dos anos destrói-te cruelmente, e da tua própria imagem, nada mais me resta de que um rosto fotografado e é nele que eu fixo o meu olhar, na tentativa frustrada, de te conservar junto a mim...
Ao longo de dezanove anos, existiram muitas noites em que, quase que movida por um sentido de dever para contigo, me sentava em silêncio, respirava sincopadamente, e aguardava que as palavras chegassem até mim e transpusessem para um pedaço de papel a exteriorização das minhas emoções respeitantes a ti...Por vezes, ficada noites inteiras em claro a espera de um rasgo de inspiração que me fizesse sobrevoar sobre ti e chegar até ti; como deves calcular nem sempre a inspiração me assaltava a alma e eu acabava frustrada e zangada, encolerizada comigo própria, e a maldizer os deuses e os arcanjos, Jesus e seu pai, este e aquele e todo e qualquer impedimento que estivesse a afastar-me de ti porque escrever-te era estar junto a ti/perto de ti e respirar-te ao ouvido palavras saciadas de amor...
As emoções das últimas semanas foram fortes e intensas, impregnadas de um saudosismo exacerbado de tempos idos e um autorreconhecimento da tua efemeridade.
És tão efémero quanto as gotículas de chuva que caiem no chão e deslizam como um rio que fluí mas secam ao mínimo vislumbre de Sol ... Tão efémero quando o trovão que ressoa e se cala ante a luz ofuscante do relâmpago...Tão efémero quanto o vento que nos acaricia o rosto...Tão efémero quanto o frio que nos envolve no seu manto de lã e nos reduz a um galopar de palavras oco e a um eterno vazio...
No entanto, quem me dera ter à minha disposição (e só para meu bel-prazer) uma força qualquer da natureza que me permitisse ser a dona do tempo pois, apesar de efémeros, tanto a chuva como o trovão, tanto o relâmpago como o vento, regressam sempre a nós, estação após estação já tu, porém, não mais irás regressar a mim.
Há anos que me encontro parada numa página em branco na expectativa vã que tu a preenchas.
Não mais a irás preencher.
Hoje, de ti, apenas me resta um rosto fotografado à pressão, imagens dispersas de uma vida que não me pertence; E que fazer com essa tua vida que me arrastou para um abismo e me deixou refém das minhas próprias emoções? Que fazer dessa tua vida repleta de instantes fugazes imortalizados no teu olhar e no teu riso? Que fazer dessa tua vida repleta de momentos e partilhas, retratos e canções (como diria Sandra de Sá) guardados no teu interior? Que fazer dessa tua vida que nunca foi a minha vida?
Ainda que, por uns breves instantes, gostaria que tivesses tu povoado a minha existência e te tivesses encarregue tu de encaixar as peças do puzzle (mesmo aquelas mais teimosas que teimam em não encaixar)...Sem ti, Tiago, existe uma peça que resiste, obstinadamente, e recusa-se a encaixar...Sem ti, existe um vácuo devastador...Sem ti, Tiago, existe um lugar por preencher, uma alma por habitar, um corpo para saciar...No teu lugar ficou o vazio gélido da saudade de um tempo que não volta mais, a incapacidade de usar o meu dialeto para me expressar, a perda de uma ilusão que teima em me matar, a desventura e a amargura, uma incapacidade total de amar...
Durante anos, deitei-me extenuada, afogada em pensamentos abstratos e planos exaustivos. O meu coração exigia-me que eu tivesse força e coragem para te perseguir e ir no teu encalço. A minha cabeça munia-se de milhares de resoluções (aparentemente apenas visíveis e plausíveis aos meus olhos)...Confesso-te que, ainda hoje, quando choro por ti não sei se choro por ti ou por aquela que tanto te amou e se entregou ao seu sofrimento pungente numa dimensão absolutamente desproporcional ao que seria esperado de uma rapariga na sua idade. Por vezes, parece-me que choro por ambos (por ti e por ela)...Noutras ocasiões, parece-me tão-somente que choro por mim sem ti!
De cada vez que olho para o passado consigo vislumbrar o futuro que a minha imaginação antecipava, esse futuro tantas vezes traído por golpes de abstração dos meus circuitos cerebrais, mas desenhado com retoques de oiro a meu bel-prazer e enfeitado com as tuas alegrias que eu faria questão de serem as minhas e todas as tuas tristezas que eu faria questão de dissipar...
O espectro das possibilidades eram tantas...
Não existiria uma única lágrima agridoce a interpor-se no nosso caminho, nem uma única sombra imediata a ensombrar-nos a travessia ou um qualquer outro contratempo a anular a nossa viagem; eu ter-me-ia encarregue disso...acredita, por favor...
De ti, hoje só me restam ténues recordações.
Escrevo-te nostalgicamente palavras de desassossego. A quantidade de histórias em teu redor e acerca de ti vão-se acumulando no baú da mente, aleatoriamente. O arquivo está cheio e o meu cérebro hesita na hora de libertar uma ínfima partícula de ti...Obstinadamente teima em não o fazer, no entanto, devo confessar-te que estou orgulhosa dele...Há uns três anos atrás a simples visão de um lugar ou objeto associado a ti fazia ativar todas as memórias adormecidas ternamente no recanto mais escondido da minha mente, e não só as fazia reavivar como ainda conseguia, ter a pura audácia, de lhes injetar vida, pessoas e peripécias, no fundo, memórias de uma vida sonhada a teu lado mas nunca concretizada !
Quando regressei a ti desconhecia por completo o meu futuro. Estava longe de imaginar que seria na tentativa inglória de reescrever a nossa história que acabaria por confrontar-me com a realidade e a realidade, para mim, soube-me a fel, foi um encontro dilacerante, o princípio do abismo, aquilo a que eu chamo, hoje, o reconhecimento da perda!
Regressar a ti foi uma escolha minha (unânime na alma e no coração). Cria-me imortal, esculpida a mármore e resistente a todas as intempéries. Acreditava-me capaz de reunificar as nossas vidas e acolher a tua alma, de novo, bem de encontro ao meu peito, num abraço apertado e sentido, capaz de te traduzir todo o meu saudosismo e confessar-te cada uma das minhas expectativas em relação a " nós "...Se bem me conheces, não houve olhar que me traísse ou uma única palavra sequer que denunciasse o meu mais intimo desejo; aos olhos do mundo era uma rapariga de vinte e cinco anos de idade, dilacerada pelo fim de um relacionamento de sete anos, perturbada pela morte da sua mãe, e candidata há um surto de melancolia profundo que levá-la-ia até aos confins das trevas, todavia, não foi isso que aconteceu!
Estava (ainda) repleta de ti, rendida a ti e contagiada por aquele eterno sentimento de pertença: tu eras como que um lar para mim, a minha morada mais que secreta, o meu forte e a minha fortaleza na hora da desdita...
Ao fechar-se-me uma porta na cara nem pensei duas vezes, fiz inversão de marcha, viajei no espaço e no tempo, imune as adversidades do passado, a distância que nos separava e tudo aquilo que nos condicionava; a minha candidatura há um surto de melancolia profunda ficou para depois...Agora não havia tempo para crises de " spleen " e incursões à melancolia da alma; essas ficaram arrumadas na prateleira a ganhar pó à medida que os meses iam passando, no entanto, quando recaíram sobre mim (porque invariavelmente teriam que recair algum dia) foram cruéis, impiedosas e fatais roubando-me tudo o que havia para se surripiar a um ser humano, deixando-me a mercê da imprevisibilidade da vida:
Incorpórea, frágil, desprotegida, invisível e despida de qualquer esperança, lançada na arena para morrer e aí perecer à mercê do círculo de feras esfomeadas que ansiavam pela minha carne.
Regressei a ti, toldada por um sentimento de esperança, liberta das grilhetas de um pseudo-casamento de conveniência assente em cânones fraternais.
Regressei a ti e nada mais encontrei do que um rosto fotografado por mãos alheias e eu queria esse rosto fotografado por mim, em contraluz, a preto e branco ou em tons sépia, com um pôr-do-sol a cair lentamente, a espreitar ao fundo de uma falésia...
Eu queria esse rosto fotografado por mim porque é nele que eu fixo o meu olhar na tentativa frustrada de te conservar nesse espaço mais recôndito da minha memória que o tempo " teima " em apagar!
Vanessa Paquete 2010 ©
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Claro que, como tudo tem o seu tempo, quando te escrevi aquele texto em finais de 2010, estava longíssima de imaginar que passados três anos - efetivamente - eu iria fotografar-te e já não teria mais de " choramingar " pelos retratos tirados por mãos alheias; sabes que mais ? Dadas as circunstâncias e que se tratava de um jogo de futebol, creio que não ficou um trabalho pródigo, mas aquilo que se conseguiu fazer. Fiquei arrependida de não ter comparecido no jogo de 17 de Novembro - para o qual - me concederam livre entrada também, porém, honestamente, ao contrário do que se apregoa por aí, não tenho a mínima predisposição para a perseguição ( sou mais miúda destes joguinhos platónicos compreendes ? ) Ainda assim, depois fiquei arrependida de não ter comparecido, mas, não sabia o que havia de me esperar do outro lado, nem como irias reagir, vá, acobardei-me e fiquei com medo, como tal, achei por melhor nem entrar no Alfa Pendular